Está gerando muitas dúvidas e uma enxurrada de críticas a decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal de invalidar um trecho do Código de Processo Civil referente ao impedimento dos juízes em processos que tenham como parte clientes de escritórios de advocacia ligados a parentes do magistrado julgador. Ao reconhecer a inconstitucionalidade do Inciso VIII do Artigo 144 do CPC, por sete votos a quatro, o STF desobrigou integrantes da magistratura nacional, em todos os graus jurisdicionais, de se declararem impedidos nos processos em que a parte for cliente de escritório de advocacia de seus cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, ainda que a mesma seja representada por advogado de outro escritório.
Extinguir a regra moralizadora parece mais comodidade do que impossibilidade para um sistema judiciário bem estruturado e numa época em que os processos eletrônicos possibilitam agilidade no cruzamento de dados
De acordo com a Associação dos Magistrados Brasileiros, proponente da Ação Direta de Inconstitucionalidade, a lei era inviável porque o juiz não tem como saber se uma parte, em outras demandas na Justiça, poderia ser cliente de escritório em que atue parente seu. Argumenta ainda a AMB que o Inciso III do mesmo artigo, que determina o impedimento do juiz em processos nos quais o advogado, defensor público ou membro do Ministério Público for seu cônjuge ou parente, está mantido e sequer foi questionado pela entidade. As críticas, portanto, poderiam estar sendo motivadas pela má interpretação da decisão do Supremo.
Não é bem assim. Se fosse apenas mau entendimento da parcela da sociedade que ficou indignada com a decisão, seria preciso incluir quatro ministros do Supremo entre os equivocados. Na verdade, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que votaram pela manutenção da regra, devem ter percebido o quanto a mudança em causa própria coloca em questão a imparcialidade e a integridade do Judiciário brasileiro e do próprio STF, especialmente no momento em que a Suprema Corte vem sendo questionada por ter assumido demasiado protagonismo político nas questões administrativas do país.
Extinguir a regra moralizadora parece mais comodidade do que impossibilidade para um sistema judiciário bem estruturado e numa época em que os processos eletrônicos possibilitam agilidade no cruzamento de dados.
Considerando-se ainda que grande parte dos magistrados brasileiros tem parentes próximos atuando na área judiciária, é insensato abrir novas brechas para a desconfiança dos cidadãos sobre um poder que deve se manter acima de qualquer suspeita.
Há ainda outro fator a ser considerado: a imagem do Judiciário como guardião da Constituição e sustentáculo da democracia depende muito da percepção da sociedade sobre sua atuação. Se os cidadãos não percebem que os juízes estão agindo de forma isonômica, o poder se fragiliza e fica mais vulnerável aos ataques dos seus detratores.
Também por isso, o princípio fundamental da impessoalidade, que vale para toda a administração pública, deve ser observado ainda com mais rigor pelos servidores com representatividade para julgar as demandas sociais.