Por Nilson Vargas, gerente-executivo de Jornalismo da RBS
Pautar, apurar, editar e publicar, nesta ordem, são verbos que sintetizam o fluxo natural de uma redação. Mas há momentos em que este fluxo precisa ser pausado para dar lugar a discussões éticas que colocam o que se pode chamar de instinto publicador em confronto com os compromissos da imprensa profissional e responsável. Estamos vivendo um destes momentos.
São regras vivas, mutáveis e sujeitas a erros, mas que nos dão o conforto de que buscamos praticar o jornalismo necessário neste momento
Tudo começa com o assassinato brutal de quatro crianças numa creche em Blumenau (SC). Instinto publicador: mergulhar na notícia, nos detalhes da barbárie, na comoção, no perfil do assassino – suas origens, se sofreu bullying, se a vida lhe foi cruel. Compromisso da imprensa profissional: não fazer o jogo do assassino, glamourizando-o, tornando-o mais importante do que as vítimas, não detalhar a monstruosidade, entre outros aspectos que, repetindo e grifando, uma redação com jornalistas profissionais certamente debateu a fundo naquele 5 de abril.
Do embate entre o publique-se e o compromisso ético derivaram nossos padrões de cobertura do caso, a partir de inquietações de nossa equipe de jornalistas e culminando com uma profunda discussão e deliberações entre os integrantes do Conselho Editorial: do assassino não dar nem o nome e não expor sua história; do episódio economizar detalhes que aprofundem a dor ou inspirem outras tragédias; da investigação ter foco em cobrar punição; dos desdobramentos dar atenção a como proteger o ambiente escolar e acolher alunos e professores impactados em Blumenau e Brasil afora. Quase ao mesmo tempo, e sem combinar, redações de vários veículos passaram a praticar estas premissas.
Os dilemas não pararam em Blumenau. Desde aquele 5 de abril, gestores da educação, pais, funcionários, professores e estudantes estão atordoados com uma onda de ameaças de atentados e algumas ocorrências isoladas de violência. Não demorou para que o
WhatsApp da Rádio Gaúcha, as redes de GZH e dos nossos profissionais fossem invadidos por pedidos de ajuda e, sim, cobranças para que noticiássemos cada ameaça (que logo se revelaria falsa). Instinto publicador: noticiar, até para atender aos apelos. Compromisso da imprensa profissional: refletir se publicar a avalanche de boatos não iria amplificar o pânico e o poder da bandidagem digital. Não noticiar ameaças, não valorizar cancelamentos de aulas, cobrar punição dos responsáveis e exaltar quando identificados, buscar as melhores práticas de enfrentamento de situações de choque, apurar casos ligados a ódio racial ou político e monitorar indicadores como ausências em sala de aula estão entre as decisões que tomamos.
São regras vivas, mutáveis e sujeitas a erros, mas que nos dão o conforto de que buscamos praticar o jornalismo necessário neste momento.