Começam a preocupar os ruídos e a articulação deficiente do governo eleito, o que tem levado a adiamentos na formulação do teor da chamada PEC da Transição. Era para proposta ser conhecida até a última quarta-feira, mas agora a previsão é a próxima terça-feira. Há claros problemas de articulação com o Congresso, ao mesmo tempo que transparecem divisões internas entre algumas das lideranças do PT mais próximas ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em tempos de Copa do Mundo, já passou da hora de Lula começar a distribuir as camisetas, especialmente nas principais posições de seu time
As indefinições são sobre por quanto tempo o novo Bolsa Família poderá ficar excluído do teto de gastos e sobre o tamanho da licença de desembolsos que o novo governo terá em 2023. Ao que parece, o prazo não será indeterminado, como Lula gostaria, tampouco o extrateto será de R$ 200 bilhões. As hesitações atrasam definições importantes e alimentam o nervosismo no mercado financeiro, como o movimento de alta observado nos juros futuros nos últimos dias devido às interpretações de que o Banco Central poderá ter de continuar a elevar a Taxa Selic, o que seria péssimo para a economia, para os investimentos produtivos, para o crédito e para os endividados.
Um sinal de falta de alinhamento interno foi a troca de cobranças entre o senador Jaques Wagner (PT-BA), articulador político do governo eleito, e a presidente do PT, Gleisi Hoffman. O parlamentar disse que a falta de indicação do novo ministro da Fazenda atrapalha as negociações no Congresso e foi rebatido pela dirigente. Para Gleisi, é a falta de articulação adequada no Senado o principal entrave para a PEC.
Em meio à indefinição e diante das resistências do parlamento, voltou a ser cogitada a possibilidade de uma medida provisória liberando crédito extraordinário para assegurar o Bolsa Família no valor de R$ 600. Resta saber se essa hipótese é de fato um plano B, um balão de ensaio ou indício de inexistência de clareza sobre o melhor caminho para cumprir uma das principais promessas de campanha de Lula.
Uma definição seria facilitada, sem dúvida, se o Congresso e o mercado já conhecessem o futuro ministro da Fazenda e ao menos parte do primeiro escalão da equipe econômica. Um time que mesclasse credibilidade com boa capacidade de articulação política facilitaria a costura de um acordo com os parlamentares. Nomes que gerassem confiança e acenassem na direção da manutenção da austeridade, sem abrir mão dos compromissos sociais, por certo fariam com que deputados e senadores fossem um pouco mais condescendentes com as demandas do futuro governo. Sem esquecer que, junto a isso, deveria ser reforçado o comprometimento com a apresentação de uma proposta para ser a nova âncora fiscal do país devido à intenção repetida de Lula de substituir o teto de gastos.
Há 20 anos, durante a transição para o primeiro governo Lula, a esta altura do calendário, o então futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci, estava confirmado no cargo. Dava as cartas e centralizava a comunicação sobre política econômica, evitando a vocalização de visões distintas por diferentes integrantes da futura gestão e acalmando o mercado. Outras pastas importantes, como a Casa Civil, também já estavam definidas. Mesmo sem ser o preferido do mercado, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) desponta como favorito para a Fazenda. Uma possibilidade de dobradinha com o economista Pérsio Arida no Planejamento animou os investidores na quinta-feira, mas na sexta-feira Haddad esteve em um encontro com banqueiros e não empolgou os ouvintes. Quem bate o martelo, de qualquer forma, permanece silente. Em tempos de Copa do Mundo, já passou da hora de Lula começar a distribuir as camisetas, especialmente nas principais posições de seu time.