Vai na direção correta o governo federal ao criar programas de compensação financeira para grandes consumidores e clientes residenciais de energia diante da gravidade da crise hídrica atravessada pelo país. Em um momento de luz cada vez mais cara, com perspectivas pouco animadoras, incentivar a redução voluntária com vantagens na fatura é uma estratégia lógica e cabível para tentar amenizar a escassez gerada essencialmente pela falta de água nos reservatórios das hidrelétricas. Falta, entretanto, mais transparência e uma maior assertividade na comunicação com a sociedade em relação ao cenário preocupante à frente.
A melhor maneira de enfrentar um problema, no entanto, é não negá-lo e admitir de forma límpida a sua magnitude
Provavelmente por receio de reflexos eleitorais, o governo resiste em falar abertamente no risco de racionamento, o que de certa forma já começa, com a obrigação de reduzir o consumo de energia nos órgãos públicos federais. A melhor maneira de enfrentar um problema, no entanto, é não negá-lo e admitir de forma límpida a sua magnitude. Até agora, o Ministério de Minas e Energia resiste em passar uma mensagem mais clara à população.
Na crise do apagão de 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi criada a Câmara de Gestão da Crise de Energia, que passou aos cuidados do então ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente. A palavra "crise", portanto, não foi escondida. Afinal, a ideia era exatamente dar à sociedade a nítida compreensão da seriedade da situação, em busca de um engajamento maior na busca por reduzir o consumo. Entre os interesses do país e o receio do reflexo da incerteza nas urnas no ano seguinte, optou-se pelo primeiro.
O governo Jair Bolsonaro não é responsável pela falta de chuva, mas tem o dever de buscar soluções de curto prazo pelo lado da redução do consumo, com o incentivo ao uso racional. Para isso, deve começar a se comunicar sem tergiversações. O presidente chegou a fazer um apelo na quinta-feira em sua live semanal, mas ainda foi algo de alcance limitado, direcionado à fração de seus apoiadores mais fiéis, e carente de institucionalidade.
A crise hídrica é a maior em nove décadas. É um fato que fala por si. Com as barragens das hidrelétricas nas grandes regiões geradoras em patamares críticos e previsões sombrias em relação à volta da chuva, não há outra saída a não ser acionar mais usinas térmicas, com custo de geração maior. Foi o que recomendou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) na quinta-feira, junto a outras medidas, como a ampliação da importação de energia do Mercosul. As consequências na fatura dos consumidores são inevitáveis. Mas os problemas a serem criados, com reverberação na inflação e na recuperação da economia, o que inclui o risco de apagões, poderão ser bem maiores se a escolha for pelo negacionismo. A pandemia deveria ter sido uma lição aprendida. Assim, superar esta dificuldade passa pela elaboração de um plano robusto e transparente, despolitizando a questão.
Vinte anos depois, o país se encontra novamente em apuros, praticamente pelos mesmos motivos. Já ficou clara a necessidade de planejar o setor elétrico com uma maior diversificação da matriz, apostando mais na energia solar e eólica. Será inevitável pensar em térmicas a gás natural, que possam assegurar uma oferta mais firme sem risco de sazonalidade, ao mesmo tempo mais baratas e menos poluentes do que as movidas a diesel. As mudanças climáticas estão batendo à porta, com maior imprevisibilidade de chuvas em grande parte do país. Fiar-se principalmente em hidrelétricas deixou ser uma opção racional.