Não foram profissionais da saúde submetidos à pressão diária dos hospitais, mas centenas de personalidades ligadas diretamente à economia e ao estudo de suas variáveis que assinaram a carta "O país exige respeito; a vida necessita da ciência e do bom governo". O documento, tornado público no fim de semana, tenta mais uma vez demonstrar que não será possível vencer o ambiente recessivo e o alto desemprego se não for dada prioridade ao combate à covid-19 no país. Economistas de peso – muitos ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central –, empresários e banqueiros pedem uma ação efetiva para controlar a pandemia com a adoção de diretrizes que até podem parecer básicas, mas devido à ideologização da crise sanitária e à falta de coordenação nacional tornaram-se na prática de implementação não tão simples.
A questão de fundo é, novamente, demonstrar que é falsa a dicotomia entre saúde e economia
A carta será entregue ainda nesta semana aos presidentes dos três poderes e, espera-se, seja compreendida e resulte em mudança de atitude principalmente pelo chefe do Executivo, Jair Bolsonaro. A questão de fundo é, novamente, demonstrar que é falsa a dicotomia entre saúde e economia. A segunda não se reerguerá se a primeira for negligenciada, ainda mais no Brasil, com a sociedade altamente cindida e uma imensa população miserável com baixo acesso a condições dignas de vida, alta informalidade e dificuldade para aderir a procedimentos básicos de proteção individual. Da forma como está, a economia seguirá enferma e sem condições de se recolocar de pé.
O manifesto alerta, em primeiro lugar, que este é um episódio de consequências graves que não será superado sem "uma atuação competente do governo federal", à luz do melhor conhecimento científico existente. Pede, como prioridade, a imediata aceleração da vacinação, mesmo que isso exija um grande esforço diplomático para encontrar doses excedentes em outras nações. Os baixíssimos índices de imunização no Brasil, ao mesmo tempo em que o país tem parte significativa das mortes diárias do mundo e se torna uma espécie de ameaça global pelo risco de aparecimento de novas variantes, é prova de que, até aqui, a atuação de Brasília foi falha. Mas o essencial, agora, é olhar para a frente e lançar mão de todas as alternativas comprovadas para evitar uma tragédia humanitária ainda maior. Mais do que apontar culpados, é preciso neste momento buscar o bom diálogo, de forma desarmada, para a adesão às premissas contidas no documento.
Os signatários apelam ainda para a colaboração do governo federal caso exista necessidade de adoção de medidas de restrição à mobilidade por autoridades locais. Ou seja, uma guinada na visão do Planalto, hoje opositor feroz de iniciativas do gênero. Também pedem que exista uma política pública para disseminar o uso de máscaras mais eficientes, diminuindo os riscos de contaminações. Para dar amparo às empresas, especialmente às pequenas e médias, sugerem linhas de crédito especiais para que atravessem este período difícil. Para a população mais necessitada, uma melhoria no sistema de proteção social.
A carta assinada por economistas, empresários e banqueiros é mais um alerta sobre a gravidade do quadro no país e a premência de uma mudança radical de atitude. Diante dos números catastróficos de mortes, da perspectiva de piora do quadro se nada for feito e da deterioração diária das expectativas da economia, não há mais tempo a perder.