Não há surpresa pelo fato de o Brasil ter atingido, durante a semana, a catastrófica marca dos 200 mil mortos pela covid-19. A evolução da doença, havia tempo, nos indicava que chegaríamos a esse montante. O que gera perplexidade é a constatação de que nem a concretização dessa perspectiva alterou o rumo insano do debate nacional e as convicções dos que insistem em minimizar o novo coronavírus, desprezar os cuidados sanitários e atacar a ciência.
Ultrapassa os limites do absurdo o fato de estarmos, em 2021, em meio a uma pandemia que ceifou a vida de 200 mil brasileiros, debatendo se vacinas funcionam e se devem mesmo ser aplicadas. O descalabro não termina aí. Enquanto dezenas de países se prepararam com antecedência e já estão imunizando suas populações mais vulneráveis, por aqui a pauta oficial é tomada pelas preocupações com os preços das seringas, que já deveriam ter sido compradas muito tempo atrás, quando a procura ainda não era tão maior do que a oferta.
O mea-culpa povoa a história da infâmia, quase sempre tardio, quando o reconhecimento dos erros já não é capaz de evitar mais dores e sofrimentos no contexto em que ocorreram. Por mais complexo que pareça, ainda temos a chance de frear as estatísticas e impedir que esses 200 mil se multipliquem. Mas os sinais são, no mínimo, confusos.
O tempo e a distância darão contornos mais nítidos ao significado nada banal desse número, resultado também de escolhas equivocadas, de omissões e de um modelo social que precisa ser revisado
Líderes políticos lutam por protagonismo em busca de votos enquanto nossas UTIs vivem aos sobressaltos, sob constante estresse e ameaça de lotação. Mas nem tudo são sombras nesse contexto, que também nos mostra esperança e perspectivas reais de um futuro mais luminoso. Se no campo da geopolítica os países se pautaram, quase sempre, pela lógica da disputa, houve, no campo da ciência, exemplos edificantes de cooperação e de união de esforços. Se autoridades negam a pandemia e debocham dela, o tecido social do país se organizou e promoveu ações de inclusão e solidariedade, lideradas por indivíduos, empresas e instituições. Se a desinformação e a mentira circulam impunes por redes sociais, há fontes sérias e fidedignas nas quais é possível encontrar dados e análises feitas por autores identificados e preparados.
Chegar a 200 mil mortes deveria nos fazer parar e pensar. Essa, definitivamente, não é uma notícia como qualquer outra. Certamente, o tempo e a distância darão contornos mais nítidos ao significado nada banal desse número, resultado também de escolhas equivocadas, de omissões e de um modelo social que precisa ser revisado.
No dia 11 de março de 2020, uma paciente de 57 anos, com complicações respiratórias, foi internada no Hospital Municipal Doutor Carmino Cariccio, na zona leste de São Paulo. Ela morreria um dia depois. Teria sido, de acordo com o site G1, a primeira vítima fatal da covid-19 no Brasil. A ela e todas as outras, o país deve o compromisso com a vida. Os milhões que se curaram são a prova de que o esforço para superar este momento não só vale a pena como é uma obrigação de cada um de nós.