Em meio aos desacertos, à falta de planejamento e ao negacionismo, surge, no coração do governo federal, um sinal de lucidez em relação à pandemia que já matou mais de 200 mil brasileiros. Recuperado da doença, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, veio a público defender a vacina. Mais do que isso, declarou que entrará na fila para receber a imunização. São afirmações que, em um contexto normal, nem sequer mereceriam destaque. No Brasil de 2021, contaminado pelo vírus e pela radicalização política, a reafirmação do óbvio, porém, adquire status de novidade e alimenta esperanças dos que se alinham à razão e à ciência. Mais ainda quando o autor dessas declarações é um dos mais relevantes membros de um governo que frequentemente debocha do novo coronavírus e dos esforços para encontrar uma prevenção efetiva contra a sua proliferação.
Já acostumado aos atalhos e às armadilhas da vida política, Mourão, ex-militar de larga experiência nas Forças Armadas, vem manifestando reiteradas vezes, ao longo do mandato para o qual foi eleito, posições divergentes das do presidente Jair Bolsonaro. No caso da pandemia, essa é uma postura que deve ser saudada. Vindo de quem veio, significa um estímulo à adesão, quando as vozes contrárias à vacina adquirem um volume inédito e preocupante, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
É obrigação de cada um zelar para que os grupos de maior risco efetivamente recebam antes a imunização
Ao mesmo tempo, enquanto cidadãos de dezevvnas de países já estão sendo vacinados, o Brasil desperdiça tempo, energia e vidas em debates contraproducentes e obsoletos. Correr atrás de seringas em janeiro de 2021, quando as primeiras notícias sobre a gravidade da pandemia começaram a surgir no início de 2020, é atestado de incompetência. A omissão oficial fere um direito básico, não daqueles que optaram pelo caminho das trevas, mas de quem, assim como Mourão, entende que, no caso da covid-19, a vacina é um tema no qual o coletivo prepondera, sem que isso acarrete prejuízo ideológico a simpatizantes de qualquer corrente de pensamento. Trata-se, mais uma vez, de um debate no qual as vozes da ciência e do bom senso deveriam ser ouvidas em primeiríssimo lugar.
Em suas declarações, Mourão tocou em um outro ponto fundamental, o respeito aos critérios estabelecidos para vacinar. O país do jeitinho e do carteiraço terá, mais uma vez, uma oportunidade histórica de apagar essas marcas que, infelizmente, se tornaram parte da sua identidade cultural. Furar filas e usar cargos de poder para levar vantagem são distorções que não podem mais ser toleradas. Nesse sentido, é obrigação de cada um zelar para que os grupos de maior risco efetivamente recebam antes a imunização, sem margem para exceções injustificáveis.