Por Igor Oliveira, consultor empresarial
O anúncio da saída da Ford do Brasil suscitou boas reflexões sobre tributação, política industrial, barreiras comerciais. Ao longo de um largo espectro de posições políticas, serviu para repensar muita coisa.
No entanto, pouca gente menciona que apostar na indústria automobilística faz muito sentido no século XX, e pouquíssimo sentido no XXI. Havia, na metade do século passado, uma utopia global a respeito do carro como a máquina que traria níveis de liberdade sem precedentes à humanidade.
Nesse contexto, valia a pena até mesmo subsidiar multinacionais, mesmo que os lucros rumassem para o Exterior. Era uma alternativa melhor do que simplesmente não participar dessa vanguarda. Países asiáticos que venceram o jogo do desenvolvimento mesclaram subsídios a empresas nacionais e estrangeiras, desde que essas observassem contrapartidas de transferência de tecnologia e compra de insumos tecnológicos locais.
A mobilidade, como carros autônomos e novos combustíveis, provavelmente não beneficiarão as corporações do setor automobilístico tradicional
O problema é que a indústria automobilística viciou-se em subsídios e hoje faz deles o seu negócio principal. A Ford é basicamente uma empresa de relações governamentais, cujo objetivo é obter alívios tributários e criar barreiras de entrada à concorrência. Sua cadeia é subsidiada em várias etapas: energia para extrair minério, siderurgia, montagem de veículos, obras públicas (vias onde os carros circulam), petróleo e combustíveis. Trata-se de um setor ultrapassado que agoniza às custas da sociedade.
As vanguardas atuais em mobilidade, como carros autônomos e novos combustíveis, provavelmente não beneficiarão as corporações do setor automobilístico tradicional, muito menos suas filiais em países em desenvolvimento, que só existem para aproveitar financeiramente os últimos respiros dos velhos conceitos de mobilidade. Tem surgido uma nova classe de empresas que aos poucos ocupa esse espaço e mata as montadoras do século XX.
A própria Embraer é parceira da Uber em um projeto de carros voadores. Vale muito mais a pena apostar nisso, ou em energias limpas, ou em biotecnologia, do que manter a complexa rede de subsídios que sustenta o automóvel no Brasil. Essa é a mudança de paradigma que precisa urgentemente materializar-se em política tributária e industrial.