Manobras diversionistas fazem parte do jogo político, mas não podem servir de cortina de fumaça quando o Brasil chora mais de mil mortes diárias por covid-19 e Manaus agoniza diante da segunda onda da pandemia. Enquanto tenta enviar um avião para a Índia em busca de 2 milhões de doses de vacina, o ministro da Saúde, Eduar do Pazuello, culpa a falta de tratamento precoce pelo caos na capital do Amazonas, onde mais de 300 pessoas aguardam por leitos, falta oxigênio nos hospitais e contêineres refrigerados recebem cadáveres à espera de sepultamento.
O ministro Pazuello peca ao não deixar claro que a maior motivadora da contaminação é a exposição ao vírus
Militar experiente e de capacidade comprovada na sua atividade original, Pazuello peca ao não deixar claro que a maior motivadora da contaminação é a exposição ao vírus e que os riscos são bem menores com a adoção de cuidados conhecidos por todos, mas alvos de negação e de deboche por homens públicos que deveriam oferecer um exemplo construtivo e inspirador. Nem seria necessário repetir, mas, em meio ao negacionismo e ao oportunismo político, a insistência se faz necessária. Utilização de máscaras, distanciamento entre pessoas, uso de sabonete e álcool gel, somados à etiqueta respiratória, são atitudes simples e que, uma vez adotadas, reduzem em muito a necessidade tanto de tratamentos precoces quanto de UTIs.
O colapso de Manaus, por outro lado, contraria as teses amplamente divulgadas pelos defensores de uma suposta imunidade de rebanho, que teria sido adquirida durante a primeira onda da covid-19. Essas previsões, infundadas e irresponsáveis, prestaram um desserviço ao país, assim como gera dano a defesa intransigente de tratamentos sem qualquer comprovação científica como solução milagrosa para uma epidemia que já ceifou as vidas de mais de 200 mil brasileiros.
Espera-se de autoridades responsáveis e cientes do seu papel que liderem, em harmonia, o planejamento e a execução do enfrentamento à pandemia. No Brasil, esse esforço é pontuado por bravatas, inverdades e descalabros que legitimam campanhas contra a vacina e contra a ciência.
Quando, finalmente, surgem sinais de que a imunização dos brasileiros começará nos próximos dias, não há qualquer previsão sobre a data em que o processo estará concluído, o que devolveria ao país as condições necessárias para estancar as mortes e para retomar as atividades econômicas que garantiriam renda e dignidade a mais de 14 milhões de desempregados. Em vez disso, o que se vê é o rebaixamento da política a uma das suas dimensões mais rasas, resumida à disputa egoísta pelo protagonismo e pelo poder.