O anúncio de que a montadora de veículos Ford está fechando três fábricas no Brasil merece uma reflexão mais ampla sobre as circunstâncias que levaram a essa decisão. Tão logo a notícia foi divulgada, ressurgiram, no Rio Grande do Sul, os fantasmas de uma batalha que culminou, duas décadas atrás, com o abandono do projeto de construção de uma unidade em Guaíba e a transferência desse investimento para a Bahia.
Hoje, os motivos que levaram a Ford a descontinuar a produção no Brasil são mais amplos e “não passam por uma reunião mal conduzida”, conforme bem analisou o presidente do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos no Estado do Rio Grande do Sul, Paulo Siqueira, em entrevista à Rádio Gaúcha.
A ideologização das negociações no RS em 1999 resultou em uma guerra sem vencedores e que deveria nos servir de lição
Não resta dúvida de que o custo Brasil, representado pelo cipoal tributário e burocrático que amassa toda a economia, foi um fator decisivo, mas não o único. A retração do consumo gerada pela pandemia, a mudança de hábito dos consumidores, que utilizam outros meios para se locomover que não o carro próprio, e a perda de competitividade da Ford frente aos concorrentes são causas igualmente determinantes para a decisão de fechar as unidades e, com isso, acabar com 5 mil empregos e com a geração de tributos e de renda. Não seria absurdo afirmar, porém, que, se Brasília tivesse acelerado as reformas estruturais no país, o desfecho teria sido outro.
No final do século passado, quando a novela da Ford começou no Rio Grande do Sul, as montadoras de automóveis eram o símbolo luminoso do desenvolvimento. O setor continua a ser relevante, mas em outros parâmetros, que a empresa não conseguiu acompanhar com a velocidade necessária. Hoje, inovação e tecnologia sustentável representam vetores fundamentais para a perspectiva de perenidade dos negócios. A Tesla, empresa americana líder no mercado de carros elétricos, é um exemplo definidor desses novos tempos.
Cabe ressaltar que, enquanto esteve na Bahia, a Ford gerou empregos e tributos que aceleraram o desenvolvimento daquela região, o que poderia ter ocorrido no Rio Grande do Sul se a ideologização das negociações não tivesse chegado ao ponto da ruptura que, em 1999, resultou em enorme desgaste ao governo de Olívio Dutra e, posteriormente, em 2016, na condenação judicial da montadora, obrigada a pagar R$ 216 milhões ao Rio Grande do Sul. Foi uma guerra sem vencedores. Que ela nos sirva de lição.