Talvez em nenhum outro país, que não seja o tumultuado Brasil do presidente Jair Bolsonaro, um ministro da Saúde tenha de lutar em duas frentes ao mesmo tempo. De um lado, o hercúleo esforço de enfrentar o coronavírus e, de outro, equilibrar-se em uma função sabotada a todo instante pelo próprio chefe e pelo seu círculo mais fanatizado. Depois de Donald Trump ceder e admitir que os Estados Unidos precisam adotar o isolamento social até o fim de abril, o presidente brasileiro passou a ser o único chefe de Estado a desconsiderar as dimensões da pandemia para todos os setores da sociedade. Em sua ladainha sobre "histeria da imprensa" e "gripezinha", Bolsonaro só tem a companhia de um ditador doidivanas de Belarus, que manteve o campeonato local de futebol e recomenda sauna e vodca para tratar o coronavírus.
A expectativa da sociedade, das vozes centradas do governo e de lideranças dos demais poderes, é de que o ministro permaneça firme em seu posto
Mandetta, um desconhecido ex-deputado federal do DEM de Mato Grosso do Sul em função de ministro, até a eclosão da pandemia era um dos mais discretos membros da Esplanada, apesar de contar com um dos maiores orçamentos do Executivo. Praticamente do dia para a noite, foi alçado à condição de principal ponto de equilíbrio do país no combate ao coronavírus. Contra as vozes extremadas, que vão do relaxamento à reclusão absoluta, tem agido à luz da ciência, da técnica e, sobretudo, do bom senso. Pois justamente em um momento grave em que as ações precisam ser norteadas pelo que vaticina o conhecimento e pela sensatez, as virtudes de Mandetta o colocaram na alça de mira do presidente, insatisfeito com a falta de submissão total a suas teses exóticas. De forma mesquinha, virou alvo ainda da ciumeira de parte dos colegas devido aos holofotes e elogios generalizados que recebe.
Desde o princípio da crise, tem-se batido na tecla da necessidade de união, serenidade e desideologização do combate à pandemia – os três atributos que Bolsonaro não quer ou não tem capacidade de estabelecer em torno de si. O ministro e sua equipe, que inclui os ex-secretários da Saúde do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre, João Gabbardo dos Reis e Erno Harzheim, dois técnicos renomados, são o porto que dá segurança contra a disfunção administrativa que emana do gabinete presidencial.
Poderia ser fácil para o médico ortopedista Mandetta pedir demissão. Mas há uma missão a cumprir em nome da saúde. A despeito das pressões e, vez por outra, da necessidade de adular Bolsonaro para acalmá-lo, a expectativa da sociedade, das vozes centradas do governo e de lideranças dos demais poderes, que reconhecem o trabalho sóbrio do ministro, é de que permaneça firme em seu posto. O pior para o país, neste momento crucial para deter a disseminação do coronavírus, seria a chegada à pasta de alguém que se dobre aos palpites do presidente e parta para estratégias sem comprovação científica, uma aventura capaz de vitimar um número maior de brasileiros, alongar a crise sanitária e fazer um estrago ainda mais profundo na economia.