Por Alexandre P. Zavascki, professor de infectologia da Faculdade de Medicina da UFRGS e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital Moinhos de Vento
Os mais recentes casos confirmados e a documentação de casos de transmissão local do novo coronavírus no Brasil são acontecimentos que demandam esclarecimentos. Primeiro, a epidemia não chegou ao Brasil. Majoritariamente, os casos confirmados afetaram pessoas que retornavam de locais onde a epidemia está estabelecida, ou seja, em que ocorre de forma sustentada a transmissão de pessoa a pessoa, sem que essas tenham viajado.
Os recentes casos documentados de transmissão local no Brasil põem o alerta para a possível entrada da epidemia no país em nível mais elevado, todavia, em todos os casos fica claramente estabelecido o vínculo epidemiológico com o caso importado. Todos os esforços que vêm sendo praticados pelas autoridades de saúde até o momento são unicamente para evitar que ocorra a transmissão de pessoa a pessoa dentro do Brasil, sem que seja possível estabelecer algum vínculo epidemiológico com um caso importado. Somente nesse momento, é que poderíamos afirmar que o vírus circula no país.
Segundo, circulam dois tipos de visão extremadas. Uma é a do catastrofismo e a outra é a de que esse vírus é "fraco" e que "somente os velhos morrem". Nenhuma dessas opiniões possui suporte científico. Viroses extremamente agressivas, com alta letalidade, dificilmente se transformam em pandemias, pois os infectados são rapidamente abatidos, sendo incapazes de disseminar a doença por muito tempo. Viroses "mais brandas" têm maior chance de se propagar, uma vez que os sintomas da doença não são fortes o suficiente para limitar as atividades dos infectados. De fato, se analisarmos os dados brutos provenientes da China, observamos que a taxa de óbito é baixa em pacientes com menos de 70 anos, porém é a circulação do vírus em indivíduos mais jovens com doença leve que pode ser justamente a fonte de transmissão para idosos e portadores de outras doenças, que compõem a maioria dos casos fatais. Além disso, com um total de infectados muito maior, o número absoluto de mortes por viroses "leves" acaba sendo muito superior ao das viroses "agressivas".
Por fim, uma epidemia como a do novo coronavírus pode ocasionar uma cadeia de eventos não desejáveis sobre sistemas de saúde menos estruturados, sobre a vida social e a economia de um país, e é para que tudo isso não ocorra que as autoridades competentes não devem medir esforços para evitar a disseminação do vírus no Brasil. Pela experiência nos outros países, trata-se de uma missão muito difícil e o engajamento da população é parte fundamental para um desfecho exitoso.