Por Aurea Viegas Flores, professora e mãe de uma vítima da tragédia da Boate Kiss
Sou a mãe de um gurizinho nascido em Sobradinho em 16 de outubro de 1988, Luiz Eduardo, nosso Dudu. Vinte e quatro anos depois, em 27 de janeiro de 2013, sou a mãe que enterra seu filho, que se foi em meio aos gritos de socorro, de desespero, diante do caos na Boate Kiss. Nosso Dudu morreu no banheiro. Como tantos jovens, saiu e não voltou. Trabalhava há três meses no Fórum de Três Passos, concursado, estava feliz. Fez Ciência da Computação e fazia Direito. Queria ser promotor.
Que ironia! Ironia porque a Justiça está sendo a nossa carrasca. São sete anos de espera. Talvez ela, a Justiça, não tenha ideia da dor que dilacera nossos corações, da saudade que aperta a todo instante. Quando apenas quatro réus foram indiciados, deixando de fora os entes públicos, percebemos que a Justiça não tem nada de justa. Nesta luta, viu-se claramente a cara escancarada da hipocrisia e da falta de empatia. Em Santa Maria, muitos tiveram a coragem de apontar o dedo para nós, familiares.
Infelizmente, até a Lei Kiss já nasceu mutilada. Precisamos de leis sérias, não dá mais para empurrar para baixo do tapete mortes causadas pela irresponsabilidade. Agora todos se dizem inocentes? Duzentos e quarenta e dois jovens sendo pisoteados, sufocados feito gado em bretes? Quem pensou na segurança deles? Agora querem proteger os quatro réus? Onde estavam os fiscais da prefeitura, os bombeiros, o prefeito, o Ministério Público, que deveriam ter defendido a vida de nossos filhos? E a CPI da Kiss que foi uma vergonha nacional? Todos ficaram calados e protegidos. Estes vão assistir de camarote, torcendo para que a Justiça continue atendendo aos interesses de uma minoria.
A nossa esperança está nos jovens que ficaram. Lutem nas suas profissões por mudanças nas leis. Exijam lugares que os mereçam. Muitos jovens mostraram a verdadeira solidariedade tentando salvar os amigos. Terá sido em vão? A sociedade é que vai dizer, seja aqui em Santa Maria, em Porto Alegre, onde for esse júri. A sociedade tem em suas mãos a oportunidade de mudança. Eu, hoje, luto para seguir em frente. Tenho no meu marido, no meu filho e em alguns amigos especiais o apoio de que preciso. Mas a fé, a certeza do reencontro é o que me faz permanecer firme! Hoje eu denuncio, não fico apenas indignada.
Omissão também mata.