Por Vera Lúcia Deboni, presidente da Associação dos Juízes do RS (AJURIS)
A criação do juiz de garantias divide opiniões no âmbito da magistratura. Para alguns, aumenta-se a proteção aos direitos dos acusados e amplia-se a imparcialidade judicial; outros vislumbram a burocratização e a dificuldade operacional de entregar-se a um novo juiz a prática de atos durante a investigação.
Ambos os pontos de vista ostentam boas razões. No rigor, leis aprovadas devem ser cumpridas pelo Poder Judiciário, salvo se violarem a Constituição. Não se trata, portanto, de gostar-se ou não da inovação, se bem que, com razoáveis argumentos, a Associação dos Magistrados Brasileiros suscitou a inconstitucionalidade da lei, aduzindo a necessidade de sua regulamentação por normas de organização judiciária, bem como a violação do princípio do juiz natural e o aumento de despesas.
A premissa da mudança, de resto discutível, é de que o juiz que toma decisões na fase pré-processual tem a sua isenção comprometida. As estatísticas, no entanto, desmentem a assertiva: há expressivo número de absolvições proferidas pelos mesmos magistrados perante os quais se iniciou a ação penal.
A mudança legislativa não alterou as regras de competência do processo penal, e disso decorrerão problemas inescapáveis, visto que, se o juiz de garantias for aquele da comarca onde ocorreu o crime, o julgamento do réu, nas cidades menores, forçosamente se dará por outros juízes, em cidades distintas, impondo custos para o exercício da defesa e dando margem a alegações de nulidade, por descumprimento das regras de competência vigentes em nossos códigos. Contratarem-se novos juízes, para o efeito do encargo, num quadro de crise financeira geral, não acontecerá em prazo razoável.
O pano de fundo político, a ensejar a inserção do juiz de garantias num projeto de lei que tinha outras características, é bastante eloquente, e a sanção presidencial, contra o gosto do ministro da Justiça, tem o sabor daquelas coisas que somente se provam em nossa capital federal: se o juiz de garantias já existisse há tempos, a expressão que o então juiz, agora ministro, alcançou, jamais teria se verificado.
Implantá-lo em 30 dias é tarefa quase impossível. Neste ponto, parece haver consenso. Junto a isso, estarão os juízes fragilizados pelos riscos da Lei de Abuso de Autoridade, o que embaraça o desenvolvimento da atividade judicial. Eis nosso sistema criminal, doravante. Se o juiz de garantias fará bem ou mal à jurisdição apenas o tempo dirá; o certo é que, com ele, as coisas nunca mais serão as mesmas, já que a mudança é radical e proposta em um país de dimensões continentais, onde a falta de estrutura adequada trará dificuldades insuperáveis.