Por Plínio Melgaré, advogado e professor da Escola de Direito da PUCRS e da FMP
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ordenou a retirada do ar do episódio de Natal do grupo Porta dos Fundos. No referido episódio, entre outras cenas, Jesus é apresentado como gay.
A liberdade de expressão é uma marca que constitui a cultura ocidental. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento decisivo da Revolução Francesa, já reconhecera essa liberdade. A Constituição Federal a define como um direito fundamental e proscreve a censura. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal afirma que não cabe ao Estado – e seus poderes – interditar a livre circulação de ideias.
Importante é definir quando há abuso da liberdade de expressão. Respostas apriorísticas não são o melhor caminho. Alguns tópicos balizam a licitude do discurso. No campo do humor, a manifestação pode ser lícita quando veicular situações faticamente impossíveis – ou manifestamente insólitas, implausíveis. Em contrapartida, será abusiva a sátira que insultar gratuitamente, versando sobre temas alheios ao contexto social, distante de um sentido público e comunitário.
Mas sobressai na decisão do Tribunal do Rio de Janeiro os argumentos utilizados. Nos quadros de um decisionismo, desconecta-se do sistema jurídico. E o magistrado se arroga no direito de decidir o que é benéfico para a sociedade, a fim de acalmar os ânimos. Afasta-se do sistema jurídico que o antecede e o legitima. E ainda que haja uma religião ou uma ideologia majoritárias, estas não podem decidir para todos o que se pode – ou não – pensar e dizer. Sob pena de se suprimir o pluralismo do ambiente discursivo presente na esfera pública e estreitar o horizonte das liberdades comunicativas. Por fim, a liberdade de expressão é essencial ao desenvolvimento da pessoa humana – além de um canal que dinamiza a vida política, prevenindo a sociedade de ameaças arbitrárias. E que a censura saia pela porta dos fundos!