"A luz do sol é o melhor desinfetante", dizia o juiz da Suprema Corte dos EUA Louis Brandeis (1856-1941). A ênfase do magistrado norte-americano em defender a visibilidade e transparência dos fatos segue cada vez mais atual quando se examinam ações e processos que dizem respeito à administração pública e seus governantes. No Caso Marielle, um dos mais rumorosos crimes da história política brasileira, a máxima de Brandeis se encaixa à perfeição diante das seguidas marchas e contramarchas pelas quais a investigação enveredou ao longo de um ano e meio.
Cabe aos governos federal e estadual, ao sistema judicial do país e à sociedade como um todo colaborar e fiscalizar as apurações para que a verdade apareça em sua plenitude
As mais recentes novidades do caso – os depoimentos do porteiro do condomínio onde o presidente Jair Bolsonaro mora no Rio e também tem residência um dos suspeitos do assassinato e o desmentido posterior – reforçam a exigência quanto a independência, isenção e profundidade das investigações, de modo que não pairem dúvidas sobre autoria e motivações, sejam elas quais forem. Cabe aos governos federal e estadual, ao sistema judicial do país e à sociedade como um todo colaborar e fiscalizar as apurações para que a verdade apareça em sua plenitude, sem interferências indevidas ou protelatórias.
Nesta linha de transparência e visibilidade, o Jornal Nacional, sem juízo de valor ou adjetivações, revelou dois fatos concretos de alto interesse público: o porteiro do condomínio disse no inquérito que registrou a entrada de um dos suspeitos do crime como se fosse visitar a casa do então deputado Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal foi consultado se a investigação, por citar o nome do presidente, deveria ser transferida para Brasília.
A desmesurada reação do presidente, que acordou de madrugada na Arábia Saudita e entrou ao vivo na internet, causa estupefação. A reportagem, além de registrar fatos concretos, apurou por conta própria que o então deputado Bolsonaro estava naquele mesmo dia e hora na Câmara Federal, a mais de 1.100 quilômetros de distância. Ou seja, o Jornal Nacional evidenciou na mesma reportagem uma contradição no depoimento do porteiro, que dizia ter feito uma chamada para a casa de Bolsonaro para autorizar a entrada do visitante, atendida por uma pessoa cuja voz reconheceu como sendo do "seu Jair". O que seria, por óbvio, impossível.
Mesmo assim, o presidente demonstrou-se transtornado com a reportagem, preferindo agredir e ofender o mensageiro a apregoar o que seria apropriado para o caso: a defesa das apurações e o esclarecimento dos fatos. Ao agir dessa forma, Bolsonaro fica cada vez mais parecido com alguns de seus antecessores e adversários, que atacavam os mesmos veículos de comunicação agora alvos do atual presidente quando traziam notícias que lhes desagradavam.