Não deixa de ser um acinte aos eleitores o projeto de lei, aprovado na Câmara no início do mês, que abranda as regras eleitorais e partidárias e era motivo de intensa negociação até o final da tarde de ontem para votação no Senado. Diante da pressão da opinião pública, a Casa fez um recuo estratégico, desistiu de levar o texto ao plenário e devolveu a proposta para a Câmara. Ficou apenas o fundo eleitoral para aprovação.
Pelo conteúdo convenientemente rejeitado ontem, seria liberada a possibilidade de destinar mais dinheiro público para as legendas. Eliminaria ainda a padronização na prestação de contas ao TSE. Para piorar, permitiria empregar a verba até no pagamento de advogados que venham a defender políticos acusados de corrupção e na quitação de multas impostas às siglas.
O conjunto de condescendências, legislando em uma inaceitável causa própria, seria um retrocesso, ao colidir frontalmente com os interesses do eleitor
O conjunto de condescendências, legislando em causa própria, seria um imenso retrocesso a colidir frontalmente com os interesses do eleitor, em um golpe na transparência das finanças dos partidos. A maior dificuldade na fiscalização se converteria em uma nova porta aberta ao caixa 2, em oposição, portanto, à onda de moralização que varre o país desde o início da Lava-Jato.
Essa afronta, que surgiu sem cara nem partido específico defendendo-a de forma pública, nasceu de um amplo arco de alianças que uniu partidos de esquerda e direita, mas com as digitais do centrão à frente. Como se constata, as práticas da política pequena e anacrônica estão muito longe de se transformarem em passado, e merecem a vigilância permanente dos eleitores.
A tramitação relâmpago do projeto de lei, aprovado ao apagar das luzes do dia 3 de setembro na Câmara, contou com o beneplácito dos presidentes das duas casas do Congresso. No Senado, Davi Alcolumbre quis levar o texto a plenário já no dia seguinte, na tentativa de impedir discussões e repercussões, mas foi impedido por grupos contrários. A pressa era para que as regras mais benevolentes pudessem ser aplicadas nas eleições de 2020.
De volta à Câmara, o projeto pode ser votado hoje, para passar pela sanção do presidente Jair Bolsonaro antes do dia 4 de outubro, a tempo de valer no pleito municipal do próximo ano. Espera-se que a Câmara entenda o recado e não insista no despropósito. Depois será a vez de Bolsonaro mostrar que o discurso moralista que o ajudou a se eleger não foi esquecido no palanque. Afinal, a despeito das palavras, o presidente vem cedendo aqui e ali a práticas da velha política do balcão, como mostra o esforço para aprovar as suas indicações, a começar pelo filho Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador em Washington.