Por Maurício Salomoni Gravina, advogado, diretor jurídico da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul
O Supremo Tribunal Federal julgou a arguição de "responsabilidade objetiva" do empregador por danos decorrentes de acidente de trabalho, matéria de repercussão geral no (RE) 828040. É tema de grande relevância na pauta da segurança jurídica e da atividade empresarial.
O julgamento teve em vista o artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, que prevê, dentre os direitos do trabalhador, o seguro de acidente de trabalho por conta do empregador e a obrigação deste indenizar, em casos dolo ou culpa.
A tese carreada ao recurso, vinda do Tribunal Superior do Trabalho, foi a da responsabilidade objetiva, com base no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que prevê a responsabilidade com base no risco da atividade.
No exame dessas normas e da legislação especial, prevaleceu o entendimento do relator Ministro Alexandre de Moraes, de que não há impedimento à possibilidade de que as indenizações acidentária e civil se sobreponham.
Com a decisão, o trabalhador que atua em atividade de risco tem direito à indenização por danos de acidente de trabalho, independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador. A tese ainda não foi concluída e publicada, mas alguns ministros falam em estabelecer uma relação ou lista de atividades consideradas de risco.
Para melhor compreensão do tema, nos sistemas de responsabilidade civil coexistem normas de "responsabilidade subjetiva", que pressupõem apuração de culpa ou dolo; normas de responsabilidade por "culpa presumida ou risco", com base na exposição à certas atividades; e normas de "responsabilidade objetiva", que afastam a análise das causas do evento danoso. A utilidade de cada uma varia segundo o campo de atuação do direito sobre os diferentes riscos.
Não nos parece apropriada a rigidez da responsabilidade objetiva declarada pelo STF, pois retira do juiz o poder de retroceder ao momento da ação ou omissão para verificar as causas do dano e qual delas foi a mais adequada a produzir o resultado.
A matéria merece melhores contornos por parte do legislador, especialmente em tempos de liberdade econômica. A responsabilidade civil objetiva do empregador, mediante a recepção da teoria do risco integral é desproporcional e danosa à livre iniciativa.
Nem sempre os danos são causados pelo empregador, haja vista os casos de terrorismo, ataques cibernéticos, violência urbana, calamidades da natureza, ou mesmo a culpa exclusiva da vítima, entre outros exemplos em que o empregador não é o causador desses sinistros.
Na prática, a decisão do STF poderá resultar em uma dupla indenização pelas empresas: a reparação da vítima e a ação regressiva do INSS contra o empregador (Lei 8.213/91, artigos 120 e 121). Ambas correrão à passos largos sobre o caixa das empresas.
Além da empresa pagar contribuição mais agravada do Seguro de Acidente de Trabalho – SAT –, pagará pelos danos ao trabalhador e, novamente, quando de ação regressiva interposta pelo INSS.
Esta é outra iniquidade do sistema. O SAT é um seguro perverso quando se volta contra quem contribui com o seu pagamento, especialmente nos casos em que não se comprova culpa ou dolo do empregador. Ninguém merece um seguro que se volta contra o tomador, especialmente quando paga taxas mais elevadas do que as do mercado.
No modelo existente, as empresas contribuem com 1% a 3% do total das remunerações, percentuais que podem se aproximar a 15% nas atividades de risco. É uma contribuição muito elevada, superior às taxas praticadas pelas companhias seguradoras para ramos similares de seguros de pessoas.
Estudos atuariais e de modelo de outorga poderão apontar a forma mais adequada de concessão desses serviços às companhias de seguro, como no modelo europeu, seja por meio de pool de seguradoras ou livre mercado, mediante um adequado marco de seguros obrigatórios.
Restabelecer o equilíbrio econômico e jurídico alterado pelo dano é um interesse coletivo, uma obrigação da sociedade e não apenas do empregador. Sobre o SAT, merece ser revisto do ponto de vista da outorga deste seguro ao mercado segurador, em forma de seguro obrigatório, e não como um tipo equivocado de tributo no contexto da Previdência Social.