Por Zé Victor Castiel, ator e produtor cultural
A cultura, em geral, existe para cumprir algumas nobres missões. As artes cênicas e visuais, a literatura, a música, a dança, o cinema e todos os outros tipos de manifestações artísticas não estão aí por acaso. Os artistas, com sua arte, precisam divertir, entreter, propor reflexões através do lúdico, sobre anseios, concordâncias e discrepâncias. A arte provoca e proporciona o contraditório entre as pessoas. A crítica, que é irmã das artes, é fundamental na sua evolução e aprimoramento. Gostar ou não gostar do que foi consumido através da cultura é direito fundamental de um cidadão e as opiniões opostas é que fazem com que se concretize o diálogo profícuo que vai, ao fim e ao cabo, fazer com que a arte cumpra o seu papel.
As únicas coisas que não cabem nessa engrenagem, fundamental ao ser humano, é a intolerância, a ignorância e a censura. Quando uma obra artística é censurada ela fica violentamente impedida de cumprir seu papel e quando artistas são agredidos e taxados de vagabundos, há uma quebra violenta da percepção humana. Como se pode impor ao povo aquilo que pode ser visto, ou ouvido, ou sentido? Como se pode rotular, de antemão, uma obra de arte, sem que as pessoas possam exercer o livre arbítrio de seus gostos?
Alguns brasileiros estão flertando perigosamente com o obscurantismo, que insiste em dizer o que é ou não arte. O que pode ou não ser visto, sentido, ouvido e vivido e, também, o que pode ou não ser reivindicado.
Não podemos cair nessa armadilha. Precisamos lutar ferozmente pelo direito de, primeiro ter acesso à obra de arte, para só depois, adorar, odiar ou ficar indiferente. Precisamos, todos nós, artistas ou não, garantirmos o direito à postulação do que achamos legítimo, sem o risco de levar na testa um naco de filé mastigado ou um cubo de gelo que estava, provavelmente, num copo de Drury's.
E não podemos cometer a injustiça de dizer que os agressores de Gramado pertencem a uma classe específica. A educação não se compra. Ela se aprende em qualquer classe social. Não será uma minoria absoluta de mal educados que poderá decidir o que pode ou não ser visto ou reivindicado. É prerrogativa fundamental do ser humano a liberdade de experimentar para depois dizer o que achou. E se o resultado disso for uma boa e civilizada discussão sobre a vida, já seremos vencedores.
Caberão às mulheres e homens que detém o poder das políticas públicas de cultura do Brasil, chegarem a esse equilíbrio. Confio neles. Pelo que sei, são pessoas de bem e com intenções dignas. Elas e eles não nos faltarão.
Fiquemos, pois, atentos aos movimentos, de uma minoria ignorante, contra um grande patrimônio do Brasil: sua cultura.
Assim como a liberdade de imprensa é fundamental para a informação das pessoas, as artes são fundamentais para a formação das pessoas.
E os artistas? Esses são trabalhadores como quaisquer outros do País.