Há uma série de perguntas ainda sem respostas sobre a invasão dos telefones celulares do ministro da Justiça, Sergio Moro, do procurador Deltan Dallagnol e, sabe-se agora, até do próprio presidente Jair Bolsonaro, mas o primeiro passo para a elucidação deste rumoroso caso foi dado com a ação da Polícia Federal (PF). A prisão de quatro suspeitos de hackear os aparelhos, na quarta-feira, ao menos põe um ponto final na ação criminosa do grupo – três deles com envolvimentos anteriores em delitos como roubo, tráfico e estelionato – e também realimenta uma necessária discussão sobre segurança e privacidade das comunicações no Brasil.
Beira o inacreditável constatar que golpistas com baixa sofisticação tecnológica acessaram os telefones das mais altas autoridades da República
Beira o inacreditável constatar que golpistas contumazes, com baixa sofisticação tecnológica, acostumados a falsificar cartões de crédito e documentos, possam ter fácil acesso aos telefones e às mensagens das mais altas autoridades da República. A informação é de que mais de mil diferentes números foram acessados pelos hackers. Se ministros, presidentes, membros do Judiciário e deputados estão à mercê desse tipo de violação, que garantia de proteção tem o cidadão comum contra todo tipo de invasão e fraude em seus celulares? Quantas outras quadrilhas não estão agindo e obtendo, para qualquer tipo de interesse, informações privadas da população e de pessoas com postos de destaque? O episódio mostra a importância do aperfeiçoamento da tecnologia dos aparelhos e aplicativos e do aprimoramento do arcabouço legal sobre o tema, para que casos como esse deixem de existir.
Em meio à polêmica gerada pelo vazamento de supostas mensagens trocadas entre Moro, quando era juiz federal, Dallagnol e procuradores da Lava-Jato, o Senado aprovou, no início do mês, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece o direito à proteção a dados individuais, inclusive nos meios digitais. O texto ainda segue para a Câmara. A legislação sobre o assunto existe, de forma infraconstitucional, espalhada no Marco Civil da Internet e na Lei Geral de Proteção de Dados, por exemplo, mas ainda pode ser considerada incipiente. O avanço da PEC fará com que passe a ser uma garantia fundamental, prevista na Constituição. A rápida evolução da tecnologia, dos algoritmos e da comunicação digital merece atenção especial também nesta seara.
O episódio específico da divulgação de diálogos envolve ainda uma avalanche de paixões políticas e ideológicas. Cabe confiar no bom trabalho da Polícia Federal para que elucide o caso e, de forma técnica, como é a prática da corporação, aponte as responsabilidades. Assim como outros desdobramentos terão o momento correto de serem analisados pelos foros apropriados. O basilar para o país é que as instituições, de forma impessoal, continuem funcionando de forma sólida.