Vencer a pauta da reforma da Previdência na Câmara antes do próximo dia 18, quando começa o recesso parlamentar, será mais uma demonstração de que o parlamento brasileiro, com a imagem manchada pelo fisiologismo nos últimos anos, entendeu a gravidade do momento e tomou para si a responsabilidade de assumir a mais urgente das tarefas para o país. Formalmente, a proposta de mudança no sistema de aposentadorias é do Executivo. Mas, diante da desarticulação do Planalto e da falta de interesse que o próprio Jair Bolsonaro demonstra, foram os deputados, capitaneados pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia, que abraçaram e levaram adiante a causa. Assim, foi vencida a desconfiança em relação ao cronograma. Salvo alguma surpresa negativa, a reforma terá a largada dos debates em plenário amanhã e a votação pode ser iniciada até quarta-feira, ampliando a possibilidade de ser apreciada em dois turnos antes da suspensão dos trabalhos do Congresso, para depois ser analisada pelo Senado.
Nos momentos que vão preceder o voto dos deputados, ainda será intensa a pressão de categorias
A aprovação do texto-base na comissão especial, após 16 desgastantes horas de negociações até a madrugada da sexta-feira, comprovou o empenho da Câmara em conciliar a pressa necessária para tramitação antes do recesso com o esforço para desidratar o mínimo politicamente possível a economia projetada em 10 anos, ainda próxima do número mágico de R$ 1 trilhão. No fim, embora possa ser criticado um ou outro ponto, o essencial sobreviveu.
Mas fica o alerta: nos momentos que vão preceder o voto dos 513 deputados, ainda será intensa a pressão de categorias para não perder privilégios. O próprio presidente da República, dando um mau exemplo, abriu essa brecha, ao voltar a vocalizar o entendimento, na sexta-feira, de que o texto tem excessos. Isso depois de já ter sido vencido nas tratativas do relatório final, quando atuou como espécie de lobista, contra a posição da sua própria equipe econômica – que teve de optar pelo silêncio constrangedor. Menos mal que, apesar de silente, a ala técnica da Esplanada escudou o parlamento.
Política é a arte de negociar, mas não há margem para diminuir a potência da reforma da Previdência, diante da trajetória explosiva do déficit. É a estabilidade e o futuro do país que estão em jogo. É preciso que deputados mantenham a postura que majoritariamente demonstraram até agora. Incluindo 2019, já perdido, são seis anos de recessão ou crescimento pífio. O desemprego não cede e voltaram a se avolumar as notícias de empresas – que são as verdadeiras geradoras de postos de trabalho – cedendo à recuperação judicial, engolfadas pela crise e pela sempre adiada retomada da atividade. É estratégico aproveitar o embalo e concluir logo a votação na Câmara. A economia real não pode esperar mais para começar a ser resgatada do atolador.