Devem servir de motivo para profunda reflexão da sociedade as conclusões da reportagem sobre os fatores que mais influenciam o desempenho no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem) publicada na superedição de fim de semana de Zero Hora, no caderno DOC. O trabalho, assinado pelo repórter Marcel Hartmann e pelo programador Hermes Wiederkehr, contou com o uso da inteligência artificial e mostrou um perverso sistema de perpetuação da desigualdade, via educação.
Não bastam esforço e mérito pessoal para concorrer em igualdade de condições.
Constata-se que, no sistema de avaliação que dá acesso ao Ensino Superior, 89,9% da nota é determinada por características sociais e culturais do aluno. Renda familiar mais alta, cor da pele, computador em casa, Ensino Médio em escolas particulares e pais que ingressaram em uma faculdade são fatores que tendem a aumentar o desempenho do candidato. Ou seja, não bastam esforço e mérito pessoal para concorrer em igualdade de condições, uma vez que em lares com acesso a melhores bens materiais e culturais há mais incentivo à leitura, maior valorização do estudo e as crianças e jovens não precisam dividir o tempo que deveria ser dedicado a livros e cadernos com o trabalho para ajudar a sustentar a casa, além de outros contratempos do cotidiano de quem vem das classes mais baixas.
É urgente quebrar esse círculo vicioso e a melhor forma é pela própria educação, revertendo a degradação das escolas públicas, embora também seja essencial que o país retome o desenvolvimento econômico, para que as famílias possam ter mais renda e fazer com que seus filhos não sejam obrigados a precocemente ter de buscar colocação no mercado de trabalho.
O quadro atual reforça a possibilidade de acesso da elite à universidade pública, o que favorece a eternização da injustiça social. Inclusive o modelo de Ensino Superior sustentado pelo contribuinte deve ser repensado. Quem tem por trás pais com condições de custear os seus estudos pode, portanto, arcar com ao menos parte de sua mensalidade. Afinal, muitos já vêm dos ensinos Fundamental e Médio privados e pagos.
A reportagem, porém, mostra que existem soluções e bons exemplos. No Rio Grande do Sul, que já se orgulhou da qualidade de sua educação, hoje em dia não tão brilhante, a inspiração vem sobretudo do Interior. São casos em que há forte envolvimento da comunidade com a escola e onde o ensino não é prioridade só da boca para fora. O resultado é um melhor aprendizado e um desempenho mais robusto no Enem. Mas no ensino público, especialmente nas regiões mais carentes, o desafio segue imenso.