Dos flanelinhas que privatizam espaços públicos e extorquem motoristas às milícias do Rio de Janeiro que constroem prédios clandestinos que depois redundam em tragédias, as grandes cidades brasileiras vêm sendo paulatinamente degradadas por um sem-número de atos que transitam da falta de civilidade ao completo desprezo à legislação. Em Porto Alegre, há bem-vindos sinais de disposição da prefeitura de enfrentar o que no Rio passou a ser conhecido como "bandalha". Vendedores ambulantes ilegais, moradores de rua que montam acampamento e se apropriam de praças e outras áreas públicas, publicidade irregular, poluição visual e sonora, pichações, comércio de objetos furtados ou contrabandeados, despejo clandestino de dejetos – o cardápio da bandalha porto-alegrense é lamentavelmente extenso.
PORTO ALEGRE TEM UM EXEMPLO DE COMO REDUZIR O NÚMERO DE CRIANÇAS PEDINTES NAS SINALEIRAS E DEVOLVÊ-LAS ÀS ESCOLAS
Em muitos casos, como o de camelôs e do comércio clandestino, há uma indústria à margem da lei que se vale de pessoas vulneráveis para acobertar moralmente a ilegalidade. Em outros, como o de moradores de rua, a compreensível solidariedade se confunde com a obrigação de o município ajudar tais pessoas a encontrarem um destino mais adequado, como os abrigos públicos. Apoiar uma existência sob tetos improvisados, sobretudo às vésperas do implacável inverno gaúcho, é, antes de um ato de caridade, um involuntário estímulo à manutenção de tal sofrimento.
Porto Alegre tem um exemplo notável de como, com coragem, racionalidade e mobilização social, logrou reduzir drasticamente o número de crianças pedintes nas sinaleiras e devolvê-las às escolas. Há 20 anos, a campanha contra a esmola, que à primeira vista poderia parecer uma crueldade, ajudou a retirar milhares de crianças e adolescentes das ruas em que eram obrigadas a angariar renda para adultos manipuladores e exploradores. Ao convencer cidadãos a trocar a esmola por doações para entidades e o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, a campanha Sinal Vermelho para a Esmola, coordenada inicialmente pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, serviu de inspiração para dezenas de outras cidades brasileiras adotarem movimentos similares.
Um choque de ordem nem sempre é uma atitude simpática, sobretudo em sociedades que não têm por cultura considerar o direito coletivo precedente ao individual, mas é imprescindível para se evitarem tragédias – como casebres erguidos em locais de risco – ou para elevar a qualidade de vida de todos. É também uma oportunidade para se promover o debate sobre as responsabilidades de cada indivíduo, desde os que não recolhem fezes de seus animais domésticos nas calçadas aos que compram produtos furtados ou vandalizam propriedade alheia. Defender a lei não significa dar carta branca para governantes assumirem uma fúria fiscalizatória cega e implacável, mas, sim, exigir que todos assumam seus deveres, públicos ou individuais. Autorizações legais prévias, educação e respeito ao patrimônio coletivo, amparados por uma atuação justa e ativa do poder público, são e serão sempre os melhores caminhos na busca de uma Porto Alegre melhor, onde todos possam viver e trabalhar em harmonia e com respeito às normas de convivência.