As últimas semanas foram marcadas pela escalada das tensões entre o governo federal e o Congresso, que impôs sucessivas derrotas ao Executivo. Mesmo que o próprio presidente Jair Bolsonaro tenha demonstrado publicamente pouca preocupação com a sequência de reveses, há sinais positivos de redução na temperatura do embate. Diante do desconforto generalizado na opinião pública, setores mais afeitos ao fisiologismo político recuaram na intenção de impedir a reforma administrativa proposta pelo Planalto. Assim, permanece a redução do número de ministérios, de 29 para 22. Foi um rasgo de bom senso e uma vitória do governo na Câmara, ainda que parcial, após Bolsonaro adotar um tom menos beligerante em suas declarações. O texto vai agora para o Senado.
OUTRA AMOSTRA DE PONDERAÇÃO FOI A REJEIÇÃO DA EMENDA QUE LIMITAVA OS PODERES DE AUDITORES DA RECEITA FEDERAL
Com a razoabilidade voltando a guiar os votos, os deputados também aprovaram medida provisória que permite ao capital estrangeiro controlar 100% de companhias aéreas originalmente brasileiras. O próximo passo é a sanção presidencial. Outra amostra de ponderação foi a rejeição da emenda que limitava os poderes de auditores da Receita Federal de comunicar indícios de crimes tributários. O acordo é que o tema será disciplinado em projeto de lei, a ser votado nas próximas semanas.
Apesar dos sutis mas relevantes avanços, na apreciação de outro tema sensível, não sem surpresa, a maioria dos deputados, com o centrão à frente e amplo apoio das bancadas de esquerda e de muitos parlamentares sob investigação, derrubou a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foi uma evidente e silenciosa represália ao titular da pasta, o ex-juiz Sergio Moro, até o ano passado a principal estrela da Lava-Jato. O órgão destinado a detectar movimentações financeiras suspeitas permanece com o Ministério da Economia. Mesmo que se possa lamentar a decisão dos deputados, é preciso confiar que, na prática, a detecção de indícios de irregularidades e as investigações não serão dificultadas. O próprio ministro Paulo Guedes se comprometeu a manter a mesma equipe e montar um sistema de vasos comunicantes para assegurar a troca de informações. Ou seja, basta boa vontade e organização para o trabalho fluir.
A despeito das rusgas entre parlamentares e o Planalto, o avanço de algumas pautas durante a semana traz a esperança de que a sensatez possa prevalecer. Falta muito, porém, para que o governo reassuma a plenitude de sua capacidade de articulação e que o Congresso dê a velocidade devida às reformas estruturantes, a começar pela da Previdência.