O vídeo com ataques do escritor Olavo de Carvalho aos militares, divulgado por 20 horas no canal do presidente da República, é apenas mais um passo na longa trilha de cizânias que vai delimitando os primeiros meses do governo Jair Bolsonaro. Apesar de esforços esparsos aqui e ali do presidente, não há em seu núcleo mais íntimo a convicção de que a eleição acabou. Este é um momento em que o governo deveria demonstrar coesão, unindo-se em torno de prioridades para levar adiante a mais importante de suas reformas, a da Previdência, e para destravar a atividade econômica. A opção reiterada pela estratégia do confronto tem potencial para gerar ainda mais danos.
Bolsonaro não é mais apenas o Jair, mas o presidente que deve se dirigir e prestar contas a todos os brasileiros
O uso das redes para ataques ou para disseminar golpes em adversários imaginários pode até ter se mostrado eficaz durante a campanha, quando o candidato Jair Bolsonaro precisava se tornar mais conhecido e angariar votos. No governo, a alternativa revela-se um desastre. Sem se desvencilhar da estratégia eleitoral, o agora presidente e seus apoiadores falam apenas para si mesmos. Não há notícia de que, graças às redes, o governo tenha obtido um voto sequer no Congresso a favor de projetos pelos quais deveria manifestar apoio. Ao contrário, o lado sensato do governo gasta energia para dissipar os estragos e mal-entendidos difundidos por declarações ou colocações atabalhoadas.
O espírito da discórdia é a característica principal do guru dos filhos do presidente, que vive no interior dos Estados Unidos. Endossar as aleivosias que o escritor teima em disparar a torto e a direito de seu refúgio equivale a permanentes declarações de guerra, inclusive contra pessoas do suposto círculo de confiança do presidente, entre os quais os militares no governo. Como descobriu tardiamente o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), depois de apoiar a desmesurada reação da censura, não se combate com denúncias ou críticas com ataques desproporcionais.
Infelizmente, começam a cair por terra as previsões de que a conflagração vista na campanha retrocederia com a definição do vitorioso para a Presidência da República. De forma surpreendente, as dissensões não partem de uma oposição enfraquecida, quando não desmoralizada. O incentivo permanente ao divisionismo, com base em provocações gratuitas, vem do círculo mais próximo do presidente. A figura do chefe do Executivo deveria ser resguardada de bate-bocas nocivos das redes. Bolsonaro não é mais apenas o Jair, mas o presidente que deve se dirigir e prestar contas a todos os brasileiros.