Merecem reflexão profunda as razões dos percalços que fizeram o Cais Mauá, uma área virtualmente abandonada e apartada da população, ter se transformado em símbolo do emaranhado financeiro, legal e emocional das dificuldades de se empreender no Rio Grande do Sul. Sonho de no mínimo três décadas dos gaúchos, a revitalização da área foi finalmente alvo de um contrato de concessão à iniciativa privada em 2010, depois de sucessivas tentativas fracassadas de levar a intenção adiante. A questão é que, até hoje, as obras nunca saíram do lugar. E, diante do recrudescimento das dificuldades, não é improvável que seja preciso esperar ainda por um longo tempo.
O pior dos cenários, não totalmente afastado, é a volta à estaca zero do projeto
Num Estado conhecido pela quantidade de entraves a quem empreende, o projeto superou todos os obstáculos legais e burocráticos e foi autorizado, inclusive, a dar início às obras. Há um ano, porém, uma operação da Polícia Federal envolveu antigos gestores em suspeitas de irregularidades e o cronograma foi alterado de vez.
Pela demora na concessão da área, na finalização dos contratos e na busca de investidores, era de se supor que os permissionários iniciais tivessem sido escolhidos a dedo. Infelizmente, não foi o que se viu. Agora, outro fundo, especializado em situações de dificuldades crônicas, tenta levar adiante os trabalhos de revitalização do cais. Mas são tamanhas as dificuldades – noves fora a oposição dos que querem conservar tudo como está, inclusive áreas degradadas –, que só uma obsessão por levar os negócios à frente consegue impulsionar a concretização de uma iniciativa que devolve à cidade a beleza da convivência social com o Guaíba.
O pior dos cenários, não totalmente afastado, é a volta à estaca zero do projeto. No ritmo habitual, um impasse significaria postergar por pelo menos mais uma década a chance de a capital dos gaúchos se reconciliar com o seu porto. O Rio Grande do Sul e Porto Alegre têm em seu comando dois gestores francamente favoráveis à atração de investimentos e em dar um fim a novelas que se arrastam há décadas. Mas essa conjunção favorável não desfez ainda a rede invisível que trabalha em silêncio e com força inercial para deixar tudo como está ou dificultar, sabe-se lá, por que razões o desenvolvimento do Estado e de Porto Alegre.