Por Ricardo Hingel, economista
A complexa obra da dramaturgia universal escrita pelo irlandês Samuel Beckett e produzida no período pós-Segunda Guerra Mundial, denominada Esperando Godot, apresenta um conjunto de metáforas com múltiplas interpretações e que se encaixam bem na situação do Brasil presente.
Na obra, os personagens, de alguma forma representando a sociedade, aguardam pelas respostas às incertezas que rondam a todos e passam por situações que nem sempre terão solução. Naquele pós-guerra, a sociedade encontrava-se em um mundo sem direção e repleto de questionamentos. Godot representava um personagem imaginário que sintetizava uma esperança e um sentido àqueles questionamentos, à impossibilidade de escolhas e à quebra de suas impotências para a saída de sua trágica situação.
Na peça, Godot não chega e nunca chegaria.
No Brasil de hoje, podemos estabelecer um paralelo muito próximo da obra. Uma economia destruída por equívocos ideológicos e pela recusa a conceitos econômicos básicos culminaram em uma crise econômica e política sem precedentes, gerando uma sensação na sociedade de que tão cedo não haverá uma quebra das expectativas negativas que vivemos.
Semelhante ao pós-guerra, o país está repleto de questionamentos e carente de certezas. Como na obra de Beckett, nosso Godot não aparecerá, restando a nós mesmos resolvermos nossos problemas.
No Brasil da dominância política, onde tudo se submete aos encaminhamentos político-partidários, fruto do excessivo tamanho que o setor público ocupa na economia nacional, aspectos positivos que nosso cenário atual apresenta, como inflação e juros baixos, dólar comportado, final da recessão e um quadro externo benigno, o desajuste das contas públicas compromete uma melhoria efetiva da economia e nos remete a uma situação de desalento similar à dos personagens da obra.
No caso brasileiro, a previdência desequilibrada e sua indiscutível necessidade de reforma definirá o maior ou menor equilíbrio das contas públicas, primeiro passo para uma melhoria duradoura para o país e a resposta para nossas incertezas. O Brasil de hoje, com o quadro caótico das contas públicas, com as irresponsabilidades fiscais cometidas ao longo dos anos, carregou de benefícios fiscais, pessoais e corporativos, pois grande parte do direcionamento da ampliação da carga de impostos foi sendo canalizada aos mais diversos grupos, atribuindo-lhes as mais diversas vantagens, diferenciando-os da grande maioria da sociedade. É como se Godot tivesse aparecido para alguns, embora todos o esperassem.