Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
A disputa entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura) sinaliza para uma vitória do primeiro com o fim das sobretaxas para importação de leite. Mas é apenas uma batalha de uma guerra que deve ser duradoura. Logo virão a discussão sobre crédito subsidiado e isenções previdenciárias aos ruralistas, além de descontos na conta de luz, os quais ultrapassam R$ 10 bilhões por ano. Depois, o imposto de renda do setor, sempre de difícil fiscalização, comparado, por exemplo, com industriais, comerciantes e assalariados.
O setor primário – hoje orgulho nacional – sempre foi subsidiado. Assim já fora com Vargas, com incentivos à diversificação (o café chegou a alcançar 80% das exportações). O chamado agronegócio foi plantado por Delfim Neto, na era do “milagre” econômico dos anos 1960: subsídios, linhas especiais de crédito, preços mínimos, isenções tributárias. As taxas de juros e facilidades eram tantas que valia a pena captar o financiamento e aplicar em outros negócios: o escândalo foi chamado de “adubo papel”. Afora os desvios e exageros, nada anormal: em todo o mundo, o setor é protegido. Holanda e Austrália fazem isso com o leite. A contradição de agora é que os beneficiados se dizem liberais, coisa que nem Vargas nem Delfim assumiram. Estes eram coerentes com suas ideologias, e Guedes com a sua: a primeira crença do liberalismo é não privilegiar segmentos específicos. As “salvações” do governo representam sempre ineficiência para a economia. Mas aqui nunca foi assim: a regra é “Estado para mim, mercado para os outros”, e quem fala mais alto a faz valer.
O único ministro assumidamente liberal no último século foi Eugênio Gudin, de Café Filho. Chegou ao cargo com o suicídio de Vargas, comemorado pelos opositores da legislação trabalhista e do nacionalismo. Gudin pensou que o movimento liberal era sério e propôs eliminar o crédito subsidiado no Banco do Brasil e as taxas de câmbio diferenciadas a setores da indústria e da agricultura (havia leilões de câmbio e os bens eram classificados por sua “essencialidade”). Durou sete meses. Raymundo Faoro, em análise conhecida, chamou tal fenômeno de “capitalismo político”, pois o mercado coexiste com grupos de interesse defensores da livre concorrência – mas só para os outros.