Por Valdete Souto Severo, juíza do Trabalho da 4 ª Região ( RS), doutora em Direito do Trabalho USP
As frases utilizadas pelo Presidente da República, ao mencionar a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho em recente entrevista, são idênticas às utilizadas por Ives Gandra Martins Filho, Michel Temer, Rogério Marinho, Mailson da Nobrega e outros, em manifestações antigas ou recentes. Parecem mantras. Não guardam relação alguma com a realidade. O Brasil não tem mais processos trabalhistas do que "todos os outros países somados"; a Justiça do Trabalho não existe apenas aqui. Se existisse, isso certamente seria motivo de orgulho. A legislação trabalhista nada tem de fascista. Aliás, também nada tem de socialista ou revolucionária.
A defesa, em pleno Século 21, de formas de vedação do acesso à justiça ou a repetição de ladainhas sobre como "é difícil ser empregador no Brasil" impressionam. Se isso fosse verdade, a solução seria simples: bastaria que os meios de produção fossem entregues aos empregados e seriam eles a amargar as dificuldades referidas nesses discursos. Mas ninguém pensa nisso. Assim como ninguém pensa em taxar grandes fortunas, retirar privilégios de filhas de militares, redistribuir renda ou terra.
Estamos sendo bombardeados pela repetição das mesmas frases, na tentativa nada nova de que uma mentira, repetida muitas vezes, se torne verdade. A Justiça do Trabalho trata de processos que discutem rescisão não paga. Arrecada bem mais do que gasta. Concilia e facilita a vida de empregadores que enfrentam dificuldades. Faz a mediação do conflito entre capital e trabalho. Sua extinção não traria qualquer benefício à economia; não faria circular dinheiro nem geraria trabalho. Ao contrário, teria o efeito de impedir que lesões a direitos trabalhistas fossem examinadas pelo Estado. E isso de nada serviria ao empregador que cumpre suas obrigações, nem à economia, por óbvio. Apenas beneficiaria quem desrespeita a ordem jurídica. Uma ordem criada ao longo do tempo para permitir o mínimo de condições de vida e de consumo para quem vive do trabalho. Defender a extinção da Justiça do Trabalho é defender a ruptura dessa ordem e, com isso, comprometer todo o tecido social.