Por Nina Fola, Coletivo Atinúké - Sobre o pensamento de mulheres negras
Capoeira, para a comunidade negra, é a possibilidade do desenvolvimento da corporalidade através de movimentos que se parecem, para olhos não acostumados, com uma dança. Não é que não seja, mas em roda é muito mais! Comparável a outras práticas de povos tão antigos quanto os povos africanos: Índia, Japão e China, que respectivamente desenvolveram a ioga, o caratê e o tai chi chuan, por exemplo. Mestria é o lugar mais alto da hierarquia dessas práticas e, para alcançá-la, sabedoria é pouco.
Mestre Moa do Katendê era conhecido e muito querido em Porto Alegre. Para além da arte negra que brotava nos seus poros, ele tinha a sabedoria de um mestre, olhar atento, fala localizada como a de um homem negro, artista, nordestino, de tradição de matriz africana e pai de família. Legado igual ao de milhões de brasileiros, expressado com um corpo transatlântico.
Os corpos negros, desde que foram escravizados, têm sido destituídos de valor humano. Foram coisas, lugar de satisfação do desejo, de força do trabalho e de experiências antropomórficas, assim como no nazismo. Nós negras, lutamos para recompor na História o valor de nossos corpos, que foi perdido, força cotidiana de aumento de autoestima. Os assassinatos de Marielle Franco e de Mestre Moa mobilizam os corpos negros, seus sentimentos de identificação e empatia, que percebem a desvalorização dos corpos de nossos representantes ideais. E isso dói profundamente! A batalha de Porongos, da afamada – e por que não dizer controversa – Guerra Farroupilha, foi exemplo disso.
O que fica como mensagem desses simbólicos momentos de violência é que nossa carne é a mais barata, como vocifera Elza Soares na canção-dor. Essa violência que se generaliza e nos coloca um em frente ao outro, num duelo. Seguimos na luta da e por existência! Resistir faz parte do legado dos povos negros na diáspora, desde que esses corpos foram arrancados do continente-mãe e naqueles tantos que já nasceram em solo outro, lutamos para existir, constantemente, com outros que nos negam, mas que foram incapazes de podar a potência que eclode em nós por meio da capoeira, do pensar, do criar, do agir, do ser-estar pessoa negra em um mundo que nega a pluralidade e o amor que se impõe ao ódio.