Por Gabriela Gonchoroski, cientista política, especialista em Estudos Culturais
Nesta segunda-feira, no mês das crianças, no mês de cuidados especiais às mulheres, no mês que vamos decidir os rumos deste país, amanhecemos unidos no luto aqui no Rio Grande do Sul. Amanhecemos com a notícia de que fora localizado o corpo da criança sequestrada em frente a sua casa. Amanhecemos dando um adeus precoce aos sonhos da menina Eduarda. Amanhecemos também unidos na raiva, no ódio, no sentimento de impotência. Amanhecemos sedentos de vingança, de justiça. Amanhecemos, mas não acordamos.
Não acordamos para a realidade do nosso país, em relação à situação de milhares de famílias que são vítimas da violência e do descaso. Dados da Fundação Abrinq, nos dão conta de que a cada dia 30 crianças ou adolescentes são assassinadas no Brasil. As estatísticas ainda apontam que cerca de 40 mil crianças desaparecem por ano no Brasil. Há relatos rotineiros de mães de Porto Alegre e região metropolitana que contam episódios de 'quase sequestros' de crianças pequenas; mas passado o susto, optam por não efetuarem o boletim de ocorrência policial. Assim é gerada uma sensação de que os ataques não são reais. De que as ruas ainda são seguras para as crianças brincarem, afinal nessas pequenas comunidades todos se conhecem.
Nessas circunstâncias é preciso a intervenção do Estado, com políticas públicas que visem aumentar a rede de proteção às crianças. É preciso que o Conselho Tutelar crie oficinas e oportunidades de treinamento coletivo de condutas seguras em relação ao cuidado com as crianças. Precisamos levar esse debate para as escolas, unidades de saúde, ao mercadinho local e ao posto de polícia mais próximo. Temos um serviço de aviso meteorológico, que dispara mensagem alertando do risco de temporal para o CEP cadastrado; por que não usar um sistema similar avisando o 'desaparecimento da criança, trazendo aspectos da sua fisionomia e os detalhes informados por testemunhas (tipo de suspeito, cor de veículo e etc.)' criando assim uma rede eficiente de alerta nas proximidades onde ocorreu o desaparecimento?
É imperioso que popularizemos o cadastro de desaparecidos, porque cada criança que não volta para casa é uma derrota coletiva. A família perde o ente querido, e a sociedade perde a humanidade, ao ser testemunha dessas barbáries. O momento de cobrar uma atitude do poder público é este, porque em dias a comoção coletiva, a pauta da mídia, as conversas nas rodas de amigos, e grupos de troca de mensagens serão tomados novamente pela pauta eleitoral, e as milhares de crianças desaparecidas voltarão a ser um número no cadastro nacional de desaparecidos.
Precisamos acordar coletivamente, e estabelecer como prioridade social o combate à violência contra as crianças; e isso somente será possível com a participação de todos e de todas. Esse maquinismo que dividiu o país, que segregou a sociedade, nos condenou a uma cegueira coletiva; onde a importância da nossa fala é dada de acordo com a nossa renda, cor da pele e gênero. Não deixemos que o debate eleitoral limite a nossa voz, ou separe a nossa luta. Estejamos todos juntos, cobrando respostas para essa legião de crianças; mortas ou sequestradas sob nosso olhar.