Por José Cesar Martins, sociólogo e empreendedor
Há muitas maneiras das comunidades tratarem o que as ameaça: não fazendo nada, esperando que “alguém” faça por elas, ou trabalhando para mitigar os danos iminentes. Foi precioso o insight da ZH de final de semana, ao conectar uma aplicação do New York Times (confira aqui) que permite saber como variou a temperatura no local em que nascemos com os locais e datas de nascimento dos candidatos ao governo estadual. Ajudou a trazer o aquecimento global das alturas conceituais para o nosso colo (nesse caso, dos candidatos).
Sistemas de alta complexidade tão gigantescos parecem não deixar opções. Mas isso é falso como o fatalismo. O agenciamento humano não deve ser subestimado. Sempre há espaço para a mitigação ou, pelo menos, para não aumentar os danos. Por isso escolho olhar o drama do aquecimento como uma oportunidade para Porto Alegre se reposicionar como campeã da sustentabilidade.
Sabemos que Porto Alegre tem muitos problemas que são superáveis a partir de suas fortalezas. A área ambiental é um exemplo. Se tratada com negligência, pode perder o potencial regenerativo que tem e a capacidade de reposicionar a cidade como inovadora e referência para outras. Para isso, precisamos nos guiar pelo compromisso moral com a qualidade de vida das gerações que vem por aí e vão usufruir dos benefícios, ou pagar a conta ambiental que deixarmos para trás.
Esse aplicativo do NYT dá uma medida quantitativa para o déficit criado por nossa geração. Podemos deixar como está. São escolhas que se faz, por ação ou omissão. É sabido que temos uma privilegiada quantidade de árvores per capita. É um ativo sim e, se bem cuidado, pode se fortalecer e nos proteger; se mal tratado, pode nos fazer muita falta.
Temos também um outro ativo, esse intangível, mas mais importante. Temos bons “modelos mentais” nascidos da história de valorização do meio ambiente no RS, que já foi modelo internacional. Poucos tem essa memória, mas as palavras ecologia e meio ambiente foram “inventadas” no RS pela iniciativa enérgica e quase insana à época de um sujeito tão genial quanto irascível e divinamente radical chamado José Lutzenberger. Ele, junto com o Caio Lustosa e o Alfredo Aveline (Lama Padma), criou a AGAPAM para colocar luz sobre a importância de cuidarmos da nossa natureza.
Em tempos em que até liquidificadores “inovam” e toneladas de aplicativos digitais inexpressivos nada acrescentam além de uma modernidade oca, inovar de verdade, ao invés de uma improvável viagem ao futuro que outros já alcançaram, pode se fazer através de uma humilde visita ao passado. Aqui mesmo.
Não há barreiras para que Porto Alegre se reinvente como capital da resistência à mudança climática. Nem precisa ir atrás de exemplos tão manjados quanto distantes como Copenhagen, Sidney ou San Francisco, basta olhar o que está sendo feito em Adis Abeba, Etiópia, que vai evitar a emissão de 1,8 milhões de toneladas de CO2 até 2030 com um projeto de trem leve. Ou para Calcutá, na Índia, que mobilizou a comunidade de tecnologia para implantar um projeto de tratamento de lixo que antes representava 25 toneladas diárias de material orgânico nas ruas. Porto Alegre tem uma geografia linda, uma cobertura verde extraordinária e, mais importante, um DNA ambientalista único.
Outros com muito menos potencial têm alavancado suas comunidades com projetos que integram natureza, inovação e progresso. Esse pode ser o nosso jeito de sermos vanguarda. Não há por que lamentarmos nossa fragilidade frente ao Vale do Silicio, podemos ser líderes e referência mundial se, por exemplo, salvarmos o Arroio Dilúvio.”