Por Jorge Barcellos, doutor em Educação
Cristina Serejo, em áudio gravado instantes após tomar conhecimento do incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio de Janeiro onde é vice-diretora, enumera as perdas das coleções de arqueologia, paleontologia e da parte histórica do Brasil "nada, nada vai sobrar". Impossível se concentrar na lista: é o silêncio, o soluço e o tremor da voz que emociona. Você sente a sua dor, a dor de todos os brasileiros pela perda do maior museu do país.
No passado, o maior medo das cidades era o tráfego e a sensação de confusão no trânsito. Era o medo dos acidentes por excesso de velocidade em ruas percorridas por cavaleiros, carruagens e carroças. No mundo moderno, é o fogo que dá medo, violento e incontrolável e que desde os tempos medievais é a imagem vivida do inferno. Mas não é curioso que no mesmo instante em que o maior museu do país ardia em chamas, centenas de pessoas na capital buscavam encher seus tanques de combustível devido a um fake news? Porque as duas coisas estão relacionadas?
Porque mostram que frente ao medo é preciso agir. Os servidores do Museu Nacional sempre tiveram medo da possibilidade de um incêndio na instituição bicentenária. Fizeram alertas, tentaram de todas as formas chamar a atenção das autoridades, mas o Estado nada fez. Motoristas, por outro lado, ao simples alerta nas redes sociais, correram aos postos para abastecer. Entende a diferença? Governos não se importam com o medo, cidadãos sim.
O que choca é que o patrimônio mundial desaparece debaixo de nossos olhos e as autoridades de plantão não chamam para sí a responsabilidade. Como lembra a professora da UFRJ Ivana Bentes, a fila é extensa: o acervo Hélio Oiticica queimou, a Cinemateca Brasileira pegou fogo, o Museu da Língua Portuguesa queimou. Não são "fatalidades" como tratam as autoridades, são produto da barbárie das políticas neoliberais do estado mínimo, das plataformas privatizantes e das políticas erradas de austeridade que produzem o desinvestimento no comum. Sequer os candidatos prometem algo a respeito. Esperamos que a tragédia mude isso.
O fóssil Luzia, um dos mais importantes do mundo, sobreviveu a 11.500 anos. Só não sobreviveu ao neoliberalismo.