Por Ricardo Giuliani Neto, artista plástico, escritor, mestre e doutor em Direito
Morreu Paixão Cortes, um dos grandes construtores do marco identitário do gaúcho contemporâneo. Por essas do destino, seu passamento ocorre bem ao tempo em que nas telas e em livro reflito sobre este personagem que, a um só tempo, é história, folclore e narrador da sua saga. Entre o mítico e o místico vão léguas de distância. A distância entre folclorismo e tradicionalismo não se mede a palmo. Do inglês folk, povo e lore, sabedoria, brota a expressão folclore. A sociedade é construção histórico-social, com feições adquiridas das práticas culturais transmitidas pelo imaginário coletivo do povo. O folclore as recupera pelas lendas, danças, vestuário, cancioneiro e práticas religiosas; já o tradicionalismo propõe ideologia, oferece sentido político para este mesmo povo; lados inconfundíveis de uma mesma civilização.
O Gaúcho precisa revisitar-se para, como Cyro Martins, reconhecer-se a pé. O Gaúcho grandiloquente, inexiste na pampa, é somente produto de um imaginário literário prodigioso que fundiu tradicionalismo e folclore, ideologia e práticas populares. O folclore, determina identidades, mas não pretende tomar o lugar da história; todavia, o tradicionalismo, num truco de mano, botou "invido" com pretensões de ganhar de mão.
Temos todas as condições para identificar as matrizes da nossa construção histórica e econômica. Os pais do folclorismo gaúcho assim o afirmaram, basta acessar a literatura de Paixão Côrtes ou de Barbosa Lessa, ou a literatura anterior aos anos 70. Mas, ao não nos instruirmos, não derrubamos heróis e seguimos erguendo pedestais e apagando-nos como seres histórico-sociais.
A morte de um intelectual do porte de Paixão Côrtes nos mata um pouco mais. A morte pede homenagens e reflexão. A história não constrói estátuas, ergue homens e mulheres de referência. É chegada a hora do fim das lutas inúteis! Quem sabe Paixão Côrtes seria a Avenida da entrada da nossa Capital? Nem Castelo, nem Legalidade! Afirmaríamos convergências sem o ranço inútil que muito nos tem afastado uns dos outros. Sejamos, pois, Cultos e Grossos.