Por José Cesar Martins, empreendedor e sociólogo
Dói ver o Brasil se divorciar do progresso. Como empreendedor em tecnologia, sempre me ressenti com as dificuldades das universidades em gerar "spin-offs". Mas, mesmo faltando a última milha, os empreendimentos, as primeiras milhas, estavam sendo corridas. Temos o capital humano imprescindível. Trata-se de avançar, não de pôr abaixo o que temos em ciência.
Essa semana, para compensar o que entregou no blecaute dos rodoviários, o Governo
Federal saiu à caça de recursos em áreas sem voz corporativista. Olhou para a pesquisa e
a inovação para baixar o machado. Nada cirúrgico, com critérios de relevância e qualidade.
Anuncia-se um manifesto à desinteligência, desenhado para o desmanche de ativos
intelectuais e da incipiente inovação brasileira.
Não por acaso, o valor individual de mercado de Apple, Google ou Amazon é maior que o da soma das 340 empresas da bolsa brasileira. Não foi sempre assim. Em 2002 a Bovespa valia 20 vezes a Apple, e a Petrobras sozinha era 3 vezes maior. No mês passado já tinha ficado 25 vezes menor.
A assimetria a favor de quem domina a inovação aprofunda o fosso com quem se mantém
centrado em commodities. Como não há inovação sem ciência, o corte é uma grosseira
renúncia ao progresso, e nos cristaliza como uma sociedade do século 20 travada no
século 20. É a mensagem que passamos ao mundo e para nós mesmos.
Ao indicar cortes que interrompem a vida de 200 mil pesquisadores, o Governo tapa um
buraquinho no orçamento para abrir uma cratera no futuro do país. Os jovens cientistas se reinventarão, migrando para uma atividade mais mundana ou, simples e tristemente,
emigrando. Perde mais a sociedade que exonera seus talentos para assisti-los gerando
valor para outros.
Difícil acreditar que não haja método em tanta insanidade. Mesmo em tempos de estado
falido, violência, polarização política e estagnação econômica, podíamos manter um sonho de reconciliação com a boa ciência para criarmos negócios sustentáveis e inovadores com condições de recriar nosso destino.
Essa possibilidade ficará mais distante se confirmados os cortes. Ciência não é como o
varejo, que pode retomar seu ritmo sempre que houver demanda. Ciência tem latência e
incertezas inerentes. Descontinuação significa ciência morta, recursos perdidos, vidas
desperdiçadas e negócios que jamais acontecerão.
Mas se você não liga para negócios inovadores, pense nas vidas salvas pela resposta da
ciência brasileira na epidemia da zika. Realismo orçamentário é uma coisa, renúncia ao
futuro e a vidas que ainda nem nasceram tem outros nomes.