Por Júlia Evangelista Tavares, advogada e associada do IEE
O abuso do poder do Estado pode, muitas vezes, vir disfarçado de boas intenções. É o caso do projeto de lei aprovado no dia 3 de julho, por unanimidade, na Assembleia Legislativa, que proíbe a venda de produtos como balas, pirulitos, refrigerantes e salgadinhos industrializados nas cantinas de escolas públicas e privadas do Estado do Rio Grande do Sul. É elogiável que os agentes públicos se preocupem com a saúde da população, mas suas ações não podem se transformar na intromissão do Estado em atividades econômicas privadas nem interferir na liberdade individual de escolha do cidadão.
Os agentes públicos nunca se cansam de legislar para aumentar suas intervenções sobre as escolhas dos cidadãos e se passar por autoridades preocupadas com o bem-estar deles. Deixam para trás que a liberdade de escolha é condição para a efetividade da democracia liberal, protegida pela Constituição da República. Nisso está incluída a liberdade de escolher o que se quer comprar e comer. Assim como o consumo de balas, pirulitos e refrigerantes, o consumo de carne gorda, sal ou bebidas alcoólicas deve ser decidido pelo indivíduo. Dessa forma, a escolha deve ser sempre feita pelo cidadão, e suas consequências também devem ser suportadas por ele, já que a liberdade pressupõe sempre responsabilidade.
Afinal, como, então, uma nação pode se considerar livre se o seu cidadão perde o poder de escolha com cada decisão tomada pelo governo? O Estado interfere muito na vida do indivíduo e, como não conhece limites ao seu poder de interferência, torna-se inviável, para qualquer sociedade, conviver com leis autoritárias sem que a consequência seja que esse controle se estenda sobre as decisões mais pessoais de cada cidadão, como o que se pode comprar, consumir ou vestir.
Nesse contexto, projetos como esses caminham na contramão das liberdades individuais, sendo flagrantemente inconstitucionais. Escolher o que se quer comer é um ato de liberdade individual, protegido pela Constituição da República. Como qualquer restrição à liberdade individual, não se trata de problema único e exclusivo das crianças, que terão menos opções para se alimentar durante as aulas, mas sim de toda a sociedade, que se vê tolhida em seu exercício de livre-arbítrio e na sua capacidade de escolha.
No Brasil não existe bom senso da classe política sobre o que é ou não é se intrometer na vida dos cidadãos. Esquecem que as sociedades livres devem prezar sempre pela liberdade de escolha. Proibir o consumo de refrigerantes, balas e doces em escolas, ou até proibir o uso de sal em cima das mesas de restaurantes, como em um passado próximo, pode parecer uma ação cuidadosa dos políticos com a população. Mas não se pode mutilar o conceito de liberdade e definir quais dos pedaços pode continuar a existir. Como dizia o vencedor do prêmio Nobel de Economia Friedrich Hayek: "Caminha-se em direção à liberdade ou à servidão".