Por Miguel Tedesco Wedy, advogado criminalista, decano da Escola de Direito da Unisinos
O que começa mal só pode terminar mal. O ativismo e a anarquia têm um itinerário que inicia quando um Tribunal Supremo decide de maneira frontalmente contrária ao texto expresso de lei (art. 283 do CPP) e da Constituição (art. 5º, LVII) e impõe a execução provisória de pena. A porta aberta para a anarquia inicia aí. Quando um Supremo Tribunal diz que o que está escrito na lei não vale e que o texto da Constituição não importa, o que se tem é o puro ativismo, travestido sob o discurso da mutação constitucional e do populismo judicial.
As comportas se abriram ali e vieram as profusões de execuções provisórias contra o texto expresso da lei, conduções coercitivas sem previsão legal e o alargamento dos poderes judiciais. Desprezou-se, assim, o que deveria ser sagrado na democracia: os textos da lei e da Constituição, que não deveriam ser, como nos dias de hoje, tão-somente a vontade pura e onipotente de qualquer julgador.
Foi estabelecida essa cultura de que a lei é nada. De que qualquer um pode decidir sobre o que quer e como quer. O que se viu no domingo, com a controvérsia acerca da soltura ou não do ex-presidente Lula, com uma decisão polêmica do ponto de vista do mérito, proferida em regime de plantão, não cumprida pela polícia federal, com uma intromissão sem precedentes de um juiz singular em férias, com uma contradecisão de desembargador relator do processo (ainda durante o plantão), com nova decisão de desembargador plantonista, denota o caos jurídico gerado e decorrente especialmente do protagonismo judicial.
Criou-se uma cultura deletéria e vaidosa de que a lei e os princípios constitucionais são marionetes nas mãos de qualquer operador do direito. Por isso é necessário lutar pela cultura da lei, não do ativismo. Fica a lição de que o pêndulo do ativismo vai e vem, conforme aquele que detém o poder. Está faltando compromisso com a integridade da prestação jurisdicional. Tenham integridade. Façam cumprir a lei e a Constituição, que estão acima das convicções íntimas e das vontades pessoais. Elas são o que são, não aquilo que eu quero que elas sejam. No entremeio dessa autêntica anarquia judicial chega a dar saudade de ver rebrilhar nas coxilhas a espada do velho tropeiro da liberdade com a sua máxima: "eu luto por leis que governem homens e não homens que governem leis".