Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Esta semana foi marcada pelo vexame protagonizado por aquele que já foi o melhor programa de entrevistas da TV brasileira: Roda Viva, da TV Cultura. Na sua série com presidenciáveis, foi a vez de Manuela D’Ávila, pré-candidata pelo PCdoB. O programa obteve uma repercussão tremenda não pelo desempenho (bom ou ruim) da entrevistada, mas pelo comportamento inaceitável de boa parte da bancada de entrevistadores, que não demonstrou compromisso com conteúdo. Eles pareciam sofrer da “maldição dos óculos de mito”.
Esta maldição identifica-se por aquela vontade incontrolável de ter um vídeo seu na rede social onde, no fim de uma edição, sobre sua imagem em preto e branco, aparecem óculos pretos e toca uma música triunfante que sugere que você “mitou”, ou seja, pegou alguém de jeito.
Com comportamentos acintosos, violentos às vezes, a caça pela mancada da entrevistada, ou por aquela contradição malandra e comprometedora para conquistar os óculos de mito foi levada ao extremo no programa. Não beirou o ridículo; ultrapassou essa linha com folga. E desta maneira me parece que muitas arenas de debate têm se estabelecido no Brasil.
Enraizado no processo de polarização no debate político, o empobrecimento das discussões sobre os problemas do país atinge um nível muito perigoso com a proximidade das eleições. Quanto mais irônicas, cômicas e virulentas as redes sociais se tornam, mais difícil fica questionar, debater, aprender e formar opinião de forma saudável e construtiva.
Agora é a hora de fazermos as perguntas difíceis, sim! Mas, como ocorreu no Roda Viva, fazer uma pergunta sobre o regime alemão no pós-guerra, para em seguida interromper abruptamente quem está respondendo para emendar outra sobre castração química, tenha dó! Isto não contribui em nada. Só representa a caçada aos óculos de mito.
Eu não sei quem primeiro conjurou essa maldição. Mas tenho minhas suspeitas. Ao jogo político raso e nefasto, interessa a ausência de debate robusto. Informação de qualidade muda opiniões e posturas; vídeos irônicos e memes são apenas entretenimento. Política sem informação é torcida. E óculos de mito são acessórios de torcedor.
Minha torcida eu guardo ao glorioso SC Internacional! Para a política no Brasil, eu prefiro radicalizar a informação e debater o fato e a ideia.