Com um Congresso desacreditado e o Executivo desgastado, o Judiciário assumiu nos últimos anos o derradeiro baluarte da estabilidade institucional do país. Por isso é tão importante o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcado para hoje no Supremo Tribunal Federal (STF). Não se trata apenas de uma medida que possa favorecer ou não um candidato à Presidência da República: ao longo deste dia histórico, estará sob holofotes a credibilidade da corte suprema brasileira, que já sofreu arranhões com bate-bocas entre ministros e jogos de força nos bastidores nas últimas semanas.
Decisões do STF não deveriam ser transformadas em paixão e comemoradas como se fossem jogos de futebol. O ambiente ideal para um julgamento é o de distanciamento das vozes das ruas e das pressões nos gabinetes, de modo que fale mais alto a interpretação da lei, sem casuísmos e privilégios. Ao colocar em discussão o habeas corpus que envolve um nome poderoso, no momento à frente das pesquisa para a Presidência da República, era previsível o clima de tensão e de desgaste da imagem do STF. Afinal, aos olhos de grande parte da Nação, modificar um entendimento jurídico nas atuais condições de temperatura e pressão para beneficiar um réu de posição destacada que já foi condenado em duas instâncias pode gerar a percepção de que os ataques ao Judiciário e a juízes em particular surtiram efeito.
Seja qual for a decisão, ela deve ser recebida com serenidade, sem açodamentos
O STF pode e deve revisar suas posições quando isto se justifica. O cumprimento de pena após a condenação em segunda instância é um tema controverso que, à luz da Constituição, não está inteiramente pacificado. É, portanto, passível de rediscussão, mas em um momento apropriado, sem que o Supremo se contamine por um caso específico de grande repercussão política. Uma decisão que torna irrelevante decisões de juízes de primeira e segunda instâncias tem o potencial de gerar neste momento dois efeitos negativos: ferir as esperanças de que a Operação Lava-Jato dê lugar a um novo país e criar um ambiente de insegurança jurídica, na qual a posição e capacidade de articulação do réu fala mais alto do que os fatos do Direito. Seja qual for a decisão, porém, ela deve ser recebida com serenidade, sem açodamentos ou elevações artificiais de pressão política. Ressalve-se que serenidade é o que apregoa a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que tem agido com todo o cuidado para resguardar ao máximo a imagem da corte que preside. "Que as diferenças ideológicas não sejam fonte de desordem social", pediu a ministra. É o que os brasileiros de bom senso desejam também.