A rebelião a que se assiste nas ruas das principais cidades do Irã é o primeiro grande acontecimento de 2018 e uma notícia potencialmente negativa para todos os governos ditatoriais do planeta. O que começou como um protesto contra os aumentos de preços, desemprego e corrupção evoluiu rapidamente para um grito pela liberdade e, surpreendentemente, para uma visão secular do Estado iraniano que ameaça pôr um fim à longa noite de restrições à liberdade no território da antiga Pérsia.
A revolução dos aiatolás, em 1979, sepultou o regime de exageros econômicos e de violação de direitos do xá Reza Pahlevi, mas soterrou também a esperança de liberdade no que era uma das civilizações mais educadas e avançadas do Oriente Médio. A saga dos aiatolás jogou o país em confrontos intermináveis com vizinhos e transformou o ódio aos Estados Unidos e ao Ocidente em bandeira para unir a população em torno do novo regime. Mais grave ainda, as ambições nucleares do Irã tornaram o que era um país instável em um risco direto para Israel e para todos os países que se opõem aos desejos expansionistas iranianos, como a Arábia Saudita.
Foi essa política de intervenção externa que agravou a crise iraniana, ao deslocar os recursos do petróleo para uma corrida armamentista e para uma ação direta no Líbano e na Síria. Não por acaso, o povo iraniano vivencia hoje a perplexidade dos norte-americanos com as guerras do Vietnã e do Iraque – dois conflitos em que eles não entendiam por que estavam envolvidos.
Há um risco de que a linha-dura dos aiatolás venha a pressionar o governo para reprimir com ainda mais violência os gestos de rebeldia. Mas também é alvissareiro que o símbolo da revolta iraniana seja uma jovem que, no alto de um pedestal, fez de seu hijab – o véu obrigatório para as mulheres iranianas – sua bandeira de paz. Religião e Estado devem estar separados e a serviço da liberdade, jamais da opressão.
O desejo irrefreável de liberdade tem agora uma chance de fazer história no Irã. Além dos aiatolás mais radicais, associados às forças armadas, o que pode reverter o curso das mudanças é uma indesejada interferência de Donald Trump numa questão interna a milhares de quilômetros de Washington. Se a Casa Branca quiser ajudar o povo iraniano a respirar liberdade, o melhor a fazer é deixar o dedo de Trump longe do gatilho do Twitter. A tentação de faturar com uma legítima rebelião alheia pode colocar tudo a perder e reforçar o discurso artificial do regime sobre delirantes intervenções estrangeiras.