Ortega y Gasset resumiu em uma frase um ensinamento extraordinário: "Eu sou eu e as minhas circunstâncias". Governantes, sem exceção, para a construção de suas políticas públicas, precisam levar em conta a realidade em que atuam para legitimar suas escolhas.
O governo Marchezan não foge à regra. A mais evidente intenção do prefeito neste primeiro ano de governo foi a de equilibrar as finanças do Executivo municipal. Afirma que, se não houver equilíbrio entre receitas arrecadadas e despesas contraídas, o grave quadro falimentar municipal irá piorar.
Exigir da prefeitura recursos ilimitados para atender às incontáveis demandas do setor é ingenuidade ou oportunismo.
Sem recursos, a prefeitura não pode aportar verba para festas populares da cidade. Este é o contexto em que devemos discutir tal medida. Que ninguém pense que o governo persegue manifestações culturais do patrimônio intangível de Porto Alegre. O imprescindível saneamento das contas públicas é a "circunstância" que a justifica.
Diante da exiguidade de tempo entre essa decisão e a realização de um dos primeiros grandes eventos de 2017, o Carnaval, o prefeito instituiu força-tarefa para buscar recursos no mercado. Participei dessa equipe. Visitamos 34 empresas e a esmagadora maioria não demonstrou nenhum interesse em patrocinar os desfiles. O próprio prefeito apelou ao presidente de respeitável instituição bancária para que patrocinasse o evento. O recurso conseguido, destinado ao patrocínio da Semana de Porto Alegre, mesmo insuficiente, foi destinado às escolas. Movimentos assim se repetiram ao longo do ano. Encaramos, junto com os organizadores, os imensos gargalos do setor.
A prefeitura, em 2018, concedeu a permissão de uso do Porto Seco para sua administração conjunta entre Liespa e Ucegapa, entidades que congregam os representantes do Carnaval. Terão elas o direito de contratar empresa produtora para explorar o espaço durante todo o ano. A contrapartida exigida é a infraestrutura necessária à realização dos desfiles.
A realidade econômica impõe a reinvenção dos modos de produção cultural, incluídas nossas festas populares. Exigir da prefeitura recursos ilimitados para atender às incontáveis demandas do setor é ingenuidade ou oportunismo. O déficit no orçamento de 2018 é de R$ 708 milhões, que não contempla recursos públicos para o Carnaval. Esse déficit se reflete na prestação de serviços básicos à população. Falta dinheiro e, nesse cenário, é preciso fazer escolhas. Buscar parcerias, o que estamos fazendo em todos os eventos assinados institucionalmente, mesmo em parceria, aponta um caminho viável para as iniciativas do segmento. É tempo de buscar soluções aos desafios aqui inventariados, mas soluções reais, diferentes das que fizeram Porto Alegre chegar aonde chegou.
Com trabalho consistente e continuado, conseguiremos resultados para não deixar a cidade sem seu calendário de cultura e recreação.