Para as universidades, o Enem dispensa o esforço, de logística e recursos, que demanda a realização de um vestibular. Porém, penso que elas devem ter bem presentes o significado do vestibular enquanto expressão de sua autonomia; elas sabem da qualidade que querem na escolha de seus alunos, para garantir a fundamental e necessária formação científica. O nível do trabalho intelectual da universidade é prejudicado quando ela permite que nela ingressem alunos sem uma expressiva capacidade formal de pensamento que, em geral, se consolida na adolescência e que permite ao adulto compreender teorias formais como as científicas, trabalhar com hipóteses, planejar, fazer ciência. Não se atinge tal capacidade só pela maturação biológica.
Nota boa no vestibular não garante bom desempenho na universidade. Nota ruim, entretanto, pode ser um forte preditor de mau desempenho.
"A ciência supera infinitamente o senso comum" (G. Bachelard). Científico é conhecimento com alto grau de formalização. Um professor sabe que é impossível ensinar teoria científica para alunos que não atingiram a capacidade formal de pensamento. Certa vez, um universitário nessa situação afirmou, referindo-se à exposição teórica do professor: "Eu não entendo nada do que o senhor está falando", enquanto seus colegas acompanhavam a aula sem maiores percalços. Embora tivesse idade para tal, não conseguia pensar formalmente, não conseguia compreender a linguagem teórica.
Nota boa no vestibular não garante bom desempenho na universidade. Nota ruim, entretanto, pode ser um forte preditor de mau desempenho. Esse é o sentido de um vestibular, escolher quem promete, pelo sua performance cognitiva e pelo desejo ou vontade de estudar e aprender, melhor aproveitamento daquilo que a universidade oferece e a população espera. Cidadãos capazes de pensar os grandes problemas sociais e inventar soluções para eles. Ao se fazer concessão no ingresso, pode-se comprometer toda a graduação. O vestibular deve garantir rigor para não falhar na escolha da qualidade. O Enem, na medida em que optou por questões que exigem interpretação, marcou um avanço. Mas contextualização a qualquer custo compromete essa opção, especialmente quando se leva em conta que conteúdos matemáticos, físicos e químicos etc são os mesmos no Brasil, no Japão, no Canadá ou China. E a qualidade de suas questões ainda deixa a desejar. Por isso, não concordo com o abandono do vestibular.
Enem exclusivo somente quando ele atingir a qualidade dos vestibulares da UFRGS. Até lá, é melhor não entregar a ele a responsabilidade na seleção; pelo menos, não toda a responsabilidade. Manter o controle, com autonomia e tendo em vista os objetivos maiores da Instituição, é a forma de garantir a qualidade no ingresso. O Enem pode ser bom para avaliar o Ensino Médio; para ingresso na Universidade, (ainda) não!