* Médico psiquiatra, professor da UPF e da Imed
Jango esteve tomando mate na minha casa quando eu era um menino de sete anos. Mate preparado pela Dona Pequena, minha avó materna. Jango foi se servir da chaleira que estava no fogão, se sentia bem na intimidade das casas e facilmente tornava todos íntimos dele.
Meu pai e ele eram do mesmo partido e muito amigos. Jango, na ocasião vice-presidente do país, deu atenção àquele menino que era eu, aliás, com seu jeito de tratar bem a todos. Vendo-o com a cuia na mão, jamais poderia imaginar o quanto teria de ser grato àquele homem – eu e todos os brasileiros – por ter conseguido abrir mão do poder e, assim agindo, ter evitado que o Brasil entrasse em guerra civil.
João Belchior Marques Goulart (1919-1976) abriu mão do poder democraticamente conquistado, gesto altruísta e raro na História. Tanto em 1961, quando aceitou negociar e assumir como chefe de Estado e não de governo, quanto em 1964, por ocasião do golpe militar apoiado pelos Estados Unidos, quando optou por não resistir e se autoexilar. Caso contrário, haveria aqui uma nova Coreia, um novo Vietnã. Eram tempos da Guerra Fria.
Hoje, guardadas as diferenças, estamos de novo numa encruzilhada. Espera a nação que boa parte dos políticos abra mão do poder. Que não dispute as próximas eleições. Que entenda a necessidade de renovação, de um novo começar na tão necessária política partidária. Que aprove uma reforma política que dê espaço para novas cabeças assumirem os poderes da nação.
Lula, Dilma, Aécio e tantos outros poderiam, em uma declaração conjunta, aliviar a nação afirmando: "Estamos definitivamente fora da disputa política. Não queremos perturbar a vida dos brasileiros".
Não sendo ingênuos, sabemos que dificilmente algo assim vai ocorrer. Mas, às vezes, a vida nos surpreende e de pessoas das quais pouco esperamos surgem atos altruístas.
O fato é que o exemplo de Jango, creio, deve ser mais lembrado neste momento em que o país precisa de líderes que aceitem abrir mão de seus projetos pessoais de poder em favor do bem comum.
A vida daquele menino de sete anos e de todos os brasileiros – insisto, todos! – teria sido muito sofrida sem aquele homem que tomava o mate da Dona Pequena. Precisamos de Jangos!