* Doutora em Ciências Criminais, PUCRS, professora do programa de mestrado em Direitos Humanos da UniRitter
A campanha Justiça pela Paz em Casa, do Conselho Nacional de Justiça, tem sido um guarda-chuva para propostas de desmonte da Lei Maria da Penha, como as constelações familiares.
As constelações familiares foram criadas por Berth Hellinger, um teólogo e pedagogo que trabalhou 16 anos como membro de uma ordem missionária católica entre os zulus na África do Sul. Através de formações e experiência em campos variados, como psicanálise, terapia primal, análise transacional, hipnoterapia e terapia familiar, desenvolveu o método das constelações sistêmicas, difundido mundialmente.
As constelações familiares pressupõem que haja padrões de comportamento herdados de nossos antepassados ancestrais. É um método terapêutico que pretende colocar "ordem" no clã. Na constelação, os ancestrais reconquistam o seu lugar e liberam os familiares posteriores para viver o mundo.
A técnica tem sofrido inúmeras críticas de pesquisadores que questionam a formação teórica dos consteladores e a ausência de acompanhamento posterior de quem a ela se submete. Mas a crítica mais forte é a de que o modelo proposto resgata padrões morais que destoam dos atuais arranjos familiares, privilegiando a concepção hierárquica familiar em que o pai é a liderança da família a quem estão submetidas a esposa e as crianças. Na constelação, segundo o seu criador, a mulher deve seguir o homem (em sua família, em seu país, em sua cultura) e o homem deve servir ao feminino.
Absurdamente, o método vem sendo empregado pelo Poder Judiciário em detrimento do cumprimento da Lei Maria da Penha. Afirma-se que é um "convite" à participação e não uma imposição. Ora, um "convite" a pessoas em situação de vulnerabilidade não é convite quando vem do Poder Judiciário, do Ministério Público ou da Defensoria Pública.
O Poder Judiciário não cumpre a Lei Maria da Penha, não cria Juizados Especializados de Violência Doméstica nem equipes muldisciplinares, não observa os prazos para a concessão de medidas protetivas e justifica a "ineficácia" da lei abrindo as portas para proposições que fogem à sua atribuição. Desperdiça recursos pagando seus integrantes para função diversa da prestação jurisdicional.
Alguns juizados, ilegalmente, já alteraram o nome das varas de violência doméstica para varas da Justiça pela Paz em Casa.
Ou seja, uma proposta de desmonte da Lei Maria da Penha por parte de quem tem o dever de cumpri-la.