* Advogado, professor universitário e vereador em Porto Alegre
Os gregos, mesmo não tendo inventado a cidade, perceberam nela um espaço comum e plural que exige uma técnica especial de organização: a política. Resultante da combinação dos termos "Pólis" (cidade) e "Tecné" (arte), a política é, por definição, a "arte da cidade".
Já os romanos afirmaram uma natural resistência da vida privada frente à cidade. Essencial para a liberdade, a separação entre público e privado foi uma das maiores obstinações do liberalismo que afirmou como princípios a oposição entre sociedade e Estado e a limitação da política ao ambiente público.
Na contramão, ideologias totalitárias como o comunismo e o nazismo têm como tática traiçoeira vazar o público para o privado, rompendo a barreira de contenção da privacidade. Público e privado se opõem. O ambiente público é por natureza plural, o ambiente privado é essencialmente hegemônico. É por isso que Hannah Arendt afirma que a família é antipolítica por excelência. Ela é a última trincheira da liberdade em face da própria política. A estatização da vida privada é um movimento nefasto que leva, por exemplo, ao domínio das ideologias no ensino e a à sujeição da educação dos filhos à política. Não teve recentemente uma procuradora que falou que os filhos não pertenciam aos pais, mas ao Estado? Na família não existem petralhas ou coxinhas, mas apenas irmãos e irmãs. Sua natureza é o amor, a solidariedade e a comunhão. Politizá-la é destruí-la.
Há uma tendência do senso comum de afirmar a política como uma arte de utilidade geral. Perigoso engano. Na vida privada, as relações são privadas, assim como nos negócios elas são comerciais e, no foro, são jurídicas. Hannah Arendt descreve tal confusão como crise do conceito. Quando um conceito serve para tudo, ele não serve para mais nada. E é aí que reside a vitória do totalitarismo: a morte da política. Pretender que ela seja tudo em todos é decretar o seu fim. O fim daquela arte do diálogo que pressupõe a natureza plural do espaço público e do próprio pluralismo em si.