* Poeta, músico, letrista e ensaísta
O princípio da tolerância, quando entremeado à dinâmica das interações dos grupos sociais, assume às vezes aspectos de desrespeito ou, mesmo, de franca intolerância. É preciso observar que em outras circunstâncias – quando se considera, por exemplo, o direito à expressão de opiniões – a presença do princípio não parece revelar-se insuficiente. Pelo contrário, a tolerância serve aí de ponto de partida mínimo ao diálogo e sua continuação.
Se é verdade que um indivíduo almeja que suas ideias e opiniões sejam consideradas boas, também é verdade que para ele não será de fundamental importância que elas eventualmente sejam apenas toleradas, uma vez que algumas ideias podem ser estranhas à maioria das pessoas, mas, segundo o princípio da tolerância, elas devem ser minimamente ouvidas e respeitadas. Entretanto, o mesmo não acontecerá se o indivíduo for tolerado ao invés de ser reconhecido ou estimado, porque ser tolerado sugere que esse indivíduo e seu modo de ser são um incômodo, um peso para outrem. Assim, é nesta perspectiva que o princípio pode revelar-se insuficiente. E a crítica à tolerância, portanto, deve ser empreendida na direção de demarcar os seus limites.
Em nossos dias, a menção ao princípio de tolerância já traz em si mesma uma espécie de valor moral agregado que parece dispensar qualquer questionamento com relação à sua efetividade como atitude ética social e individual. Cumpre observar que até aqui temos ressaltado o sentido de tolerância mais aceito pelo senso comum, qual seja, o sentido em que esse princípio é interpretado como um mecanismo de conciliação e suspensão de conflitos. A chamada "cultura da tolerância" nos permite, se não reconhecer, ao menos lidar – sem perder uma espécie de "boa etiqueta" ou fair play –, com o direito, o comportamento e as opiniões diferentes.
Considerada nestes termos transigentes, a tolerância se constitui em um jogo de forças que não deixa de conter implicações paternalistas e unilaterais. Um modo não paternalista de conceber a tolerância exige que o ocasional tolerante admita que não detém o monopólio da verdade ou da moralidade. Por isso, ele precisa não apenas respeitar as ideias diferentes das suas, mas inclusive considerar a hipótese de que elas sejam tão verdadeiras e estimáveis quanto as suas próprias.