* Doutor em Educação e professor do IFRS
Quando as conquistas da ciência estão sendo deixadas de lado é sinal de que a política está em apuros. Explico-me.
Em tempos de retorno da crença na "terra plana", de recrudescimento de grupos supremacistas brancos, de propostas como a "escola sem partido", de "descrédito oficial" em relação ao aquecimento global e outras bizarrices, parece evidente que a política está em decadência. Se grandes descobertas do campo da astronomia, da biologia, da sociologia e da geologia estão sendo desconsideradas pelos atuais políticos, que qualidade terão suas decisões sobre o nosso futuro e o do planeta?
Nenhum avanço social e civilizatório será registrado fora da política. Nenhum avanço científico ocorreu fora da política, assim como nenhuma catástrofe promovida com a ajuda da ciência se deu fora da política. A ciência é definida e financiada por interesses econômicos, ideológicos e até religiosos, logo, pela política. Os cientistas, via de regra, não escolhem sozinhos o que pesquisam e nem definem o que será feito com suas descobertas. Os Estados e o órgãos financiadores (capital) determinam essas escolhas.
A ciência pode explicar como as coisas funcionam e do que elas se constituem, mas não é ela que decide o que é prioridade ou o que deve ser feito com os resultados, isso cabe a política.
A política está sendo ocupada pelo obscurantismo, isso produz efeitos culturais práticos, alguns deles citados no segundo parágrafo. Nosso país é governado por pessoas que não têm nenhuma preocupação com o que diz a ciência. Em abril desse ano, a revista Nature estampou reportagem sobre o minguar do investimento público em ciência, inovação e tecnologia no Brasil. Notas são emitidas cotidianamente pelas mais variadas entidades do mundo científico e acadêmico, todas anunciando o colapso financeiro do setor.
Se a ignorância, a intolerância e a alienação ocuparem cada vez mais espaço na política, como vem ocorrendo, estaremos diante da banalização do ridículo, do medíocre, como tem dito a filósofa Marcia Tiburi.
Os nossos representantes, se pegarmos a Câmara Federal como parâmetro, são pessoas, em sua maioria, com baixo espírito público, ligados a interesses econômicos particulares e mergulhadas em senso comum quando se adentra em temas complexos.
As bancadas mais fortes do parlamento, da Bíblia, da bala e ruralista, reproduzem valores que desprezam conquistas científicas históricas e pesquisas contemporâneas referendadas. Como esse perfil de parlamentar irá lutar pelo amplo financiamento da educação, da inovação e da pesquisa? Com um Legislativo como esse, como teremos negociações republicanas com o Executivo?
Sem o investimento em educação e ciência, como as pessoas terão formação para escolher com qualidade seus representantes? Como irão desenvolver a capacidade crítica para não permitir que conjuntaras como a que vivemos se estabeleçam? Perceberam o círculo vicioso no qual estamos inseridos?
A política como ferramenta da produção do bem comum, do bem viver, da sustentabilidade, da promoção da arte e do combate às desigualdades corre risco. Ocupar a política é uma alternativa inequívoca para quem deseja um mundo melhor para os que ficarão. As iniciativas de renovação, mesmo quando não alinhadas às nossas ideologias, merecem nossa atenção e incentivo. Há saídas e elas são políticas.