A novela A Força do Querer traz pela primeira vez na TV brasileira a história de vida de um homem trans, Ivan, desde a adolescência e vai acompanhando os conflitos e sensações do personagem, bem como sua interação com a família e a sociedade.
Meu nome é Eric, tenho 30 anos e eu sou um homem trans. Assim como a de Ivan, a minha narrativa em relação a ser um homem trans começou quando eu tinha uns cinco anos. Eu dizia para minha família que eu era um menino, mas quando nasci fui designado do sexo feminino. Essa minha revelação levou a família a procurar auxílio psicológico. Na época, o profissional consultado considerou que isso era um desvio, algo anormal, e o tratamento indicado era através de psicoterapia para minha mãe, pois seria algo da personalidade dela que "causava" tal desvio (mais uma vez, a culpabilização das mulheres). Para nós, homens trans, é muito difícil ser compreendido pela sociedade. Somos frequentemente considerados "loucos", como também mostrou a cena da novela. Hoje em dia, já existem profissionais determinados/as a produzir outras formas de entendimento sobre nós, aceitando que é possível e normal ter nascido com cromossomos XX, vagina, útero etc. e ser homem.
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Um dos efeitos da novela é facilitar na hora de acessar serviços públicos, como carteira de nome social, nome social no SUS, acesso a ambulatórios trans etc., pois é comum que nos digam: "Nossa, eu nunca ouvi falar sobre isso. Isso não existe". Agora, quem vê a novela já sabe. Também é fundamental que as famílias tenham um modelo de representação em que podem, sim, apoiar e defender seus filhos LGBT. Famílias que abandonam causam precariedade e vulnerabilidade na vida de pessoas trans. Se a família apoia, aquela pessoa vai ter melhores condições de ser alguém na sociedade.
Por outro lado, mais visibilidade também pode aumentar a atenção de quem quer nos agredir. Além disso, informações complexas muito resumidas podem ser confusas. Exemplo: "A barba até engana", foi dito na novela, como se nós estivéssemos enganando alguém. É preciso também conscientizar a população dos riscos da automedicação com hormônios, ainda que se mostre a realidade de uma carência enorme de serviços de saúde adequados. O assunto é denso, mas o importante é começar a conversa e estarmos abertos a continuar nos desenvolvendo enquanto sociedade, dispostos a fazer um mundo mais acolhedor e com menos violência contra as pessoas trans.
*Eric Seger de Camargo é professor de Educação Física, integrante-fundador do coletivo Homens Trans em Ação (HTA)