* Ex-governador do Rio Grande do Sul
Alexander Bickel, advogado de Nixon e figura relevante do Direito Americano do século 20, no seu livro O Poder menos perigoso, sustenta que os Tribunais devem guiar-se por "virtudes passivas", travando – quando necessário para o equilíbrio social – "qualquer intervenção redistributiva". Esta foi a posição dominante no Estado de Direito ocidental, pois sempre que os Tribunais ousaram criar planos alternativos de afirmação substantiva de Direitos, foram barrados e criticados. Assim, as "constituições dirigentes" foram sendo esvaziadas e as "constituições sociais" tonaram-se cada vez mais "programáticas".
Todos estamos sujeitos à verificação de prováveis enquadramentos penais, porém, a deformação do processo político nacional – não apenas no caso de Lula – parece demonstrar que a "passividade" do Judiciário defendida por Bickel (destinada a afirmar direitos fundamentais) não vale para bloquear a utilização deste Poder, para compor, arbitrar e orientar processos políticos. Refiro-me a processos que contenham estratégias definidas pelos grupos sociais dominantes, para absolutizar sua hegemonia. No nosso caso concreto, para fazer as reformas que entendem necessárias, para um novo ciclo de acumulação que, para harmonizar-se com a globalização, precisam desmontar o Estado Social Mínimo.
Lembremo-nos os vazamentos seletivos da Polícia e do Ministério Público, as conduções coercitivas ilegais, a publicação ilegal de interceptações telefônicas, as prisões de tempo indefinido sem condenação e as mudanças de posição do Supremo em relação a elas. Todos estes fatos vinculam-se a uma chacina pública contra Lula, martelada pela mídia, que concebe a "exceção" como uma "ordem normal", para resgatar o país da corrupção. A condenação pública e prévia de Lula fez de Moro um porta-voz indutivo de uma sentença já proferida, pois nela foram selecionados argumentos, não para julgar, mas para justificar uma condenação já realizada pela voz pública da mídia, que se tornou o próprio Juiz.
Mantidas pelas instâncias superiores estas posições, quaisquer processos que estão em andamento, contra quaisquer réus deverão ter (a menos que haja um claro espírito seletivo) sentenças condenatórias. Sejam elas injustas ou não, pois já estarão definidas pelas informações que circularam na mídia e que promoveram o espírito de "manada" em boa parte do Judiciário. As sentenças deste tipo obtêm a sua racionalidade, não das provas carreadas aos autos, mas das delações premiadas divulgadas como verdades provadas, que afloram dos salvos-condutos concedidos nas portas das Penitenciárias. A República e o Estado de Direito podem demorar para funcionar, mas ainda são o melhor modo inventado pelas revoluções da modernidade, para desenhar um pouco da Justiça e respeito ao ser humano, num futuro de infelicidades menos agressivas.