Qualquer um de nós que lidamos com a nova geração – os jovens nascidos nos anos 1990 e 2000 –, sejamos professores, psicólogos, pais ou educadores, percebemos neles um traço característico: a politização de seus comportamentos, ou melhor, uma leitura politizada dos comportamentos em geral. Politizada, aqui, significa que os comportamentos – ações, sentimentos e pensamentos – são compreendidos nas suas relações com as noções de poder, de lutas sociais e de convivência mútua.
Isso se manifesta das formas mais explícitas às mais sutis. Recentemente, em sala de aula, tive que manejar uma acalorada discussão entre dois alunos, um deles adepto da prática black bloc e dizendo falar em nome dos anarquistas, e o outro, autoproclamado fascista, estampando a imagem do antigo líder italiano. Mas há, também, por outro lado, as interações cotidianas entre os alunos em geral, que põem em debate as mais diversas e micro-simbólicas disputas de condutas adequadas – ou não – a determinada visão política.
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As gerações anteriores, na maioria das vezes, costumam perceber essa tendência com estranheza, tédio, cansaço ou incompreensão – algo típico dos conflitos geracionais. O que importa, antes disso, é a pergunta: como chegamos aqui? Podemos sugerir uma hipótese que, a despeito de sua arriscada generalização, consegue dar conta de parte da pergunta.
As pessoas, mesmo naquilo que aparenta ser privado, realizam-se no reconhecimento social.
Em algumas áreas isso é bem evidente, como no trabalho que escolhemos ou em uma carreira política. Em outras, menos. Mas mesmo a nossa crença em Deus ou a nossa aposta no amor passa por algum tipo de participação comunitária. Associe-se a isso a compreensão de que nossa época consiste em uma lenta dissolução do sagrado: a cada geração, uma esfera da vida é tida como a solução de nossos conflitos e o caminho de nossa plenitude (tornando-se, assim, o campo no qual vivemos nosso horror e nossa maravilha), para, finalmente, na nova geração, perder sua importância e se extinguir.
Voltemos ao século 20. A geração nascida entre os anos 1920 e 1940 (os chamados tradicionalistas) vivenciou, pela última vez, a aposta na religião como algo relevante socialmente, terminando por legar à geração seguinte uma relação cínica, burocrática ou niilista com a vida religiosa. Esta, nascida no pós-guerra (a geração baby boom), acreditou, também pela última vez, que a família era o lugar de sua realização, fazendo desta instituição fonte de conflitos os mais diversos, instanciados no seu grande legado: o divórcio. Seus filhos, nascidos nos anos 1970 e 1980, focaram em seus trabalhos, crendo que o sucesso profissional lhes traria reconhecimento social – terminaram workaholics estressados, céticos órfãos de utopia, consumistas de mobília, desejosos por largar tudo para fazerem "o que gostam". E os mais novos?
A geração nascida dos anos 1990 em diante enxerga a religião longínqua (seu contato, se ocorreu, foi de modo antropológico, já dentro de um panorama de relativismo ético) e seus resquícios no máximo dão corpo a tiques místicos de feitio oriental. A nova geração nasceu em famílias "desestruturadas", nas quais seus pais talvez nem mesmo se casaram, tendo convivido com companheiros dos pais que tampouco se constituíam em padrastos ou madrastas, meio irmãos e irmãs – o que lhes legou uma noção frágil ou desnecessária da família como organizador social. O vício em trabalho da geração anterior, bem como seu patente materialismo, lhes legou um tipo de ojeriza ao "sacrifício pelo emprego", deixando como marca o slogan "trabalhar para viver", e não "viver para trabalhar" – que se transformou em uma incrível capacidade de abandonar empregos, dúvidas profissionais longevas e amplas, bem como experimentações em trabalhos os mais diversos.
A religião, a família e o trabalho, portanto, viram-se fragilizados, desimportantes ou diminuídos. Além disso, nota-se uma excessiva disponibilidade de bens – é importante constatar que a diminuição das guerras e a crescente e inconsequente capacidade produtiva do sistema capitalista trouxeram-nos ao absurdo do receio do esgotamento dos recursos. Ainda: houve a ampliação do tempo disponível à adolescência, amparada no discurso ultraprotetor da sociedade como um todo. Esse cenário, que no fim das contas é de esvaziamento de sentido e uma certa abundância material, fez com que toda uma geração buscasse na política o seu diálogo com o reconhecimento social.
As querelas sobre o comportamento sexual (identidade de gênero, orientação sexual) e seus derivados políticos (direitos LGBT, feminismo etc.), as sutilezas estéticas (a imposição de padrões de beleza, a exposição do corpo e seu significado e seu correlato no modo de se vestir), os debates sócio-históricos (dívidas históricas, racismo, xenofobia, imperialismo e guerras), as questões de comunicação (as sutis diatribes de nomenclatura, modos de se referir a algo ou alguém, bem como a emergência da comunicação politicamente correta), enfim, todas estas problemáticas tornaram-se a via pela qual uma geração inteira tem buscado a sua transcendência, o seu reconhecimento social e a sua marca no mundo.
Por serem os campos de sua possível realização, é nesses territórios que essa geração vive a dor e a delícia de ser o que é. Cada uma dessas práticas, por óbvio, é fruto de uma longa e tímida trajetória evolutiva na história do Ocidente, que agora encontra espaço e atores propícios para se desenvolver. Para a civilização, tanto melhor: são ações que visam a mais liberdade, e não ao contrário.
Se e como persistirá, fica a pergunta.